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Jornada: entre o trabalho, a casa e a maternidade

“Claro, ela já estava realizada por ser mãe. Será? Será que só isso a deixaria completa?”

Por Sofia Zizza (sofia.zizza@usp.br)

Depois de deixar seu filho mais velho na escola, Mariana não voltou para casa. Ela estava com o coração apertado e com um turbilhão de pensamentos em sua mente. “Será mesmo que estou fazendo a coisa certa? Ela é tão pequena… mas se eu não voltar agora fica mais difícil depois”. Ela tentou afastar os pensamentos e seguiu em direção a empresa na qual tinha ficado afastada por 5 meses: os 4 de licença maternidade e os 30 dias de férias que ela emendou para conseguir passar mais tempo com sua recém-nascida.

Quando chegou, notou um ambiente muito diferente do que ela tinha deixado. Um novo coordenador havia sido contratado e ela agora atendia aos seus pedidos. Ela ainda estava sem entender sua nova posição, sem conseguir raciocinar direito pois sua cabeça não parava de pensar se sua filha estava chorando ou se ela largaria o peito por não estar conseguindo amamentar à livre demanda. Mariana foi rodeada por seus colegas de trabalho que a enchiam de perguntas: 

– “Como está a pequena?”

– “Mas nossa, já voltou? E a amamentação? Falam que é muito importante amamentar até um ano de idade.”

– “Que bom que está aqui! Já tem muitas coisas para serem resolvidas!”

– “Com quem ela está? Não colocou na creche ainda né? Se não vai ficar muito doente.”

Mariana respirou fundo e respondeu as perguntas pacientemente. Entendeu seu novo posto de trabalho, e sem questionar, pois sabia que isso poderia a prejudicar ainda mais, tentou voltar à rotina normal. Durante uma reunião, quando faltava mais ou menos duas horas para o final de seu horário de trabalho, um pouco antes do horário no qual seu filho mais velho saía da escola, recebeu uma ligação de seu marido. Aflita, Mariana pediu licença e foi atender ao telefone. Os olhares a fuzilaram, mas a preocupação era maior. Ele ligara para dizer que ia ter que ficar até mais tarde no trabalho e que não poderia buscar os filhos. Ele então perguntou se ela poderia sair mais cedo:

– Você acabou de voltar de licença, está com filho pequeno. Eles vão entender. Me desculpa, mas eu não posso mesmo sair daqui – afirmou.

Mariana ficou ainda mais desestabilizada. Apesar de estar insegura quanto à volta ao trabalho, ela estava tranquila pois já tinha deixado tudo planejado para esse dia. Tinha pensado na logística de levar e buscar as crianças, o que elas comeriam no jantar, além de ter deixado a casa organizada para que seu marido ficasse com os pequenos no fim do dia.  Agora, ela teria que dar conta da última parte também. Ela então consentiu e desligou o telefone. Voltou para a reunião e comunicou que teve um imprevisto com os filhos e que precisaria ir embora. Mais uma vez os olhares de desprezo a alcançaram, unidos de sussurros vindo dos cantos da sala. 

Quando entrou no carro sentiu vontade de chorar. Olhou o relógio e então engoliu seco. Estava atrasada para o horário da saída da escola. Buscou o filho e foi em direção à casa de sua sogra que estava cuidando de sua filha mais nova. Parada a mais 40 minutos no trânsito com seu filho reclamando de fome, sede, vontade de ir ao banheiro, etc ela recebe outra ligação, mas dessa vez da mãe de seu marido. Ela perguntava se Mariana estava chegando e quanto tempo demoraria, alegando que a neta estava com fome e queria a mãe. Ela escutava os berros de sua filha  pelo telefone e o coração apertava. Mais uma vez seus olhos marejaram. Ela respondeu que estava no trânsito mas que logo chegaria.  

Nesse momento Mariana já se sentia a pior mãe do mundo por ter deixado seus filhos para voltar a trabalhar. Pensava que tinha se precipitado e que talvez não fosse a hora. Em sua gravidez tinha lido diversos livros sobre maternidade e educação, mas sentia como se estivesse fazendo tudo errado. Queria amamentar sua filha, estar presente em seu crescimento ao mesmo tempo não deixar que o mais velho sentisse ciúmes. 

Por outro lado prezava por sua carreira e amava seu trabalho. Se sentia realizada e tinha ambições de carreira e de estudo. Queria ser mais reconhecida, fazer um doutorado. Pensava em sua longa jornada de graduação, cursos, mestrado que tinha dedicado vários anos para chegar ao ponto em que estava e que a qualquer momento poderia ir por água abaixo. Os carros buzinavam em meio ao trânsito caótico, seu filho resmungava e sua cabeça pensava em sua filha mais nova.

Quando finalmente chegou no portão da casa da avó de seus filhos, dava para ouvir o choro estridente da rua. Entrou agoniada para logo acudir a filha, que, mesmo com a chegada da mãe, teve dificuldade para se acalmar. Na conversa breve com a sogra, ela a questionou sobre a volta ao trabalho e disse que não poderia ficar com a neta todos os dias, coisa que ela não tinha dito para seu próprio filho quando combinaram a ajuda da avó. Mariana não estava com cabeça para responder, então só murmurou qualquer coisa e avisou que precisava voltar para a casa. 

Agora com os dois filhos no carro, Mariana não parava de pensar nas coisas que tinha de fazer ao chegar em casa. Dar jantar para o filho mais velho, ajudar com a lição de casa, dar banho nos dois, colocar para dormir, lavar a louça, ficar a par das notícias do trabalho que havia perdido e, ah! Tomar seu próprio banho, lavar o cabelo, comer, etc, essas coisas básicas que, quando se tem uma dupla, ou melhor, tripla jornada de trabalho, acabam ficando em segundo plano. 

Depois de resolver tudo, Mariana finalmente entrou no banheiro e ligou o chuveiro. Ela precisaria ser rápida, pois a qualquer momento seu filho poderia chamar ou sua filha chorar. Mas ela não conseguia. Quando entrou embaixo da água, finalmente desabou. Todo o cansaço e os pensamentos que a tomaram o dia todo vieram à tona. Suas lágrimas escorriam por seu corpo e se confundiam com a água que caía do chuveiro. Ela chorava como se quisesse eliminar pelo ralo todo o peso que carregava junto com as impurezas do corpo. Ela não conseguia parar de soluçar e seu corpo começa a tremer. Escorregou até o chão encostada nas paredes, e lá se senta deixando a água fervendo cair sobre sua cabeça.

Minutos depois escutou o som da fechadura e a porta se abrir. Era seu marido chegando em casa. Ela então desligou o chuveiro, secou-se e foi de encontro a ele. Ela se sentou à mesa enquanto seu marido esquentava o jantar que já estava pronto e que conta como foi cansativo seu dia no trabalho.  Depois de um tempo, ele a perguntou como tinha sido a tão planejada volta ao escritório. Mariana não conseguiu responder. Se tocasse no assunto mais uma vez voltaria a chorar. Ela respondeu que estava muito cansada e que precisava dormir. O marido insistiu e se desculpou por não ter conseguido ficar com os filhos alegando que a ajudaria mais. 

Ajudar em uma tarefa que teria de ser dividida entre os dois. Mas isso ainda é impossível e talvez sempre seja. O marido realmente ajuda, mas dentro de suas possibilidades. O trabalho sempre vai estar em primeiro lugar, porque, afinal, é ele quem ganha a maior parte da renda da casa. Mas, para que ele ganhe, alguém sempre tem que cuidar da outra parte – parte invisibilizada, desvalorizada e não remunerada. Ele, sim, é um pai presente e faz questão de estar com os filhos, como todo pai deveria ser. Mas como diz Tayná Leite em seu livro Gestar, parir, amar: não é só começar! “as mesmas atitudes que constituem um paizão pertencem a uma mãe medíocre”.

Os dois então se deitaram, e Mariana finalmente pode descansar. Mas sua cabeça continuava remoendo os mesmos e criando outros pensamentos. Se virava inúmeras vezes pela cama, a fim de achar a melhor posição. Quando finalmente seu corpo começa a relaxar, ela passa a escutar grunhidos vindos da babá eletrônica no quarto de seus filhos. Ela, então, ainda olhos fechados, suplicou em silêncio para que a filha voltasse a dormir, mas logo os resmungos se transformam em um choro agudo. Quando ela foi se levantar para acudir a filha, o marido acordou e a pediu para que ficasse, que ele tentará fazê-la dormir novamente. 

Se passaram bons minutos e o choro continuou. Ela então se levantou e foi amamentar a filha que rapidamente pegou no sono. Ela tentou voltar a dormir, porém mais uma vez tem dificuldade. Ela voltou a pensar no trabalho. Será que valeria a pena continuar na empresa? Pagar alguém para cuidar dos filhos consumiria grande parte de seu salário. Mas ela conseguiria abandonar o que ama fazer?

Claro, ela já estava realizada por ser mãe. Será? Será que só isso a deixaria completa? mas óbvio que os filhos são mais importantes que a carreira. Do que adianta ter dinheiro e não ver os filhos crescerem? Mas porque ela teria de abrir mão se seu marido conseguia continuar com os dois? Por que ela e não ele? Ela quis ter uma família, casar, ter filhos. Mas será que esse é o ideal de realização de toda mulher? Ela começa a lembrar de quanto tempo fazia que não saía sozinha ou que não encontrava suas amigas. Será que era querer demais? Será que ter vontades e desejos  próprios anula suas qualidades como mãe e esposa? Ela sentia falta de ser Mariana, e apenas Mariana. 

  Quando finalmente os pensamentos estavam se misturando com sonhos a filha começou a chorar mais uma vez. A mesma situação se repetiu por mais duas vezes durante a noite. Ela já estava acostumada: já fazia quase 6 meses que não dormia uma noite completa. E essa situação duraria por pelo menos mais um ano. 

Durante os meses seguintes, Mariana começou a sentir que seu emprego estava balançado. Foi realocada para um cargo mais baixo, passou a ganhar menos, pois começou a trabalhar apenas meio período. Agora fazia mais trabalhos remotos e de pouca importância para o funcionamento da empresa. Ela não sentia mais aquela vontade. Não fazia mais o que gostava. Cinco meses depois que voltara da licença maternidade Mariana foi demitida.

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