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‘Os Três Estigmas de Palmer Eldritch’: uma ficção alucinante

O livro, escrito há quase seis décadas, retrata um futuro com crises ambientais e sistêmica, em um universo no qual o contrabando intergalático é uma realidade

Por Isabella Gargano (bellagargano@usp.br)

A obra de ficção científica Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (Editora  Aleph, 2022), escrita em 1965, traz uma interessante perspectiva de como alguém daquela época poderia imaginar o século 21. Trata-se de uma distopia, na qual a Terra está superaquecida e a humanidade consegue colonizar outros corpos celestes do sistema solar.

Nascido em 1928 nos Estados Unidos, o autor do livro, Philip K. Dick, foi um grande escritor de ficções científicas que forçam a linha tênue entre aparência e essência, real e imaginário. Também é muito conhecido por obras como O homem do castelo alto e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas (Blade Runner), que inspiraram produções de Hollywood.

Enredo

A história acontece no ano de 2016 em uma realidade alternativa, na qual o planeta Terra encontra-se superpopulado e muito afetado pelo aquecimento global. A situação extrema transforma a Antarctica, por exemplo, no paraíso de férias dos ricos, por apresentar temperaturas mais agradáveis.

Neste universo literário existem colônias terráqueas em outros planetas e satélites do Sistema Solar que são considerados inóspitos e entediantes por seus habitantes. Por isso, uma convocação é feita para escolher pessoas da Terra que deverão realizar imigração interplanetária e colonizar estes novos locais, de forma a procurar formas viáveis de habitá-los e, ao mesmo tempo, contribuir com a redução da superpopulação na Terra.

Essa realidade leva os habitantes dos bunkers a recorrerem ao mercado das drogas ilegais, como a Can-D. Esta surge como forma de escape da vida real, usada junto a ambientes de Pat Insolente, personagem que o usuário passa a habitar se for mulher ou Walt (namorado de Pat) se for homem.

Por meio disto, o usuário começa uma imersão – como uma realidade virtual – a partir das miniaturas do ambiente vendidos pela corporativa Ambientes P.I, de forma a experienciar uma vida normal na Terra e criar cenários para fugir da realidade pacata das colônias.

A trama se desenvolve nesse cenário, com o surgimento de uma nova droga no mercado: a Chew-Z. Os efeitos dela, porém, vão muito além da imersão em uma realidade de um personagem que simula a vida na Terra. É quase uma experiência transcendental, na qual o usuário não é limitado ao ambiente de Pat Insolente e pode manipular elementos mais complexos, como o tempo, e chega até a ter dificuldade em distinguir realidade de simulação.

“…somos feitos do pó. Há de se reconhecer que não é muita coisa como ponto de partida, e não deveríamos esquecer isso.”

Assim, ao longo do livro, o autor brinca com o que é simplesmente uma alucinação e o que é realidade. Esse aspecto da droga levanta discussões de cunho religioso entre os personagens, como se a experiência pode ser considerada um ritual ou um pecado, além de uma forma de fuga da realidade.

A nova droga ameaça o mercado de Can-D por ser mais forte e não necessitar do apoio dos ambientes, o que prevê a falência da Ambientes P.I. É também perigosa para a humanidade em geral: com a promessa de vida eterna, os usuários ficariam presos, vivendo nessas simulações com seus corpos existindo na realidade em um estado vegetativo.

Um dos personagens principais, Barney Mayerson, pode ser considerado um anti-herói. Isso porque ele trabalha para a grande corporação responsável pelo monopólio do mini ambiente, e tem uma habilidade especial de prever possíveis futuros. Em meio a uma crise na sua vida pessoal, Mayerson é convocado para uma das colônias fora da Terra e parte como um agente duplo com a missão de impedir a legalização da Chew-Z. Suas atitudes egoístas e sua ambição o tornam um personagem difícil de gostar, o que não impede o leitor de torcer pelo sucesso de sua aventura no espaço.

Contracapa do livro com lema da Chew-z transcrito. [Imagem: Isabella Gargano/ Acervo Pessoal]

Leo Bulero é um ser humano que passou por procedimentos que o fazem ser considerado mais evoluído que a população comum, e é presidente da Ambientes P.I. A provável aprovação da droga concorrente pela ONU levaria sua empresa à falência, já que os ambientes de Pat Insolente se tornariam inúteis. Bulero tenta entrar em contato com os responsáveis pela nova droga, mas é impedido e drogado com a mesma. Após ser drogado contra vontade e ficar preso na alucinação, o que de início tinha somente motivações puramente financeiras, se transforma em medo do poder do Chew-z  e o motiva a lutar contra a legalização.

A moral além do enredo

É possível identificar nas várias interações entre os personagens algumas críticas do comportamento humano, que persistem desde a época de escrita do texto, como previsto pelo autor. Um exemplo disso é a sexualização das mulheres pelos homens em qualquer contexto, além de  seus destinos, sejam profissionais ou pessoais, serem decididos por terceiros.

A necessidade do homem de consumir drogas para fugir dos problemas consequentes do sistema, buscando um alívio momentâneo em uma realidade manipulável e sem leis, também é uma crítica.

O próprio enredo da história, de um mundo tão degradado pelo homem que houve necessidade de habitar outros planetas, não destoa de um possível futuro para os humanos atualmente. A Terra tem mais de 8 bilhões de pessoas e o aquecimento global está próximo do ponto de ser irreversível.

Essa visão é importante de ser retratada no livro justamente por evidenciar que a problemática ambiental não é recente e vem sendo discutida desde antes dos anos 60.

Imagem de capa: Acervo Pessoal/ Isabella Gargano

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