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‘Oppenheimer’ já nasce como clássico na história do cinema

O filme sobre o criador da bomba atômica surge no mercado como projeto de aprendizado da longa carreira de seu diretor

Ciência, política, ética, guerra, história, humanidade. Difícil afirmar com clareza o tema principal da nova obra do diretor Christopher Nolan. Com suas longas três horas de duração, a trama trabalha os fatos pela ótica da arte e entra no grupo de filmes que dão luz a acontecimentos históricos por meio da cinegrafia. Oppenheimer (2023) é um drama que dialoga sobre as atitudes de personalidades moralmente questionáveis e abraça uma forma de fazer cinema que o emplaca como grande clássico da sétima arte.

O pai da bomba atômica

Julius Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) foi o físico responsável pela organização do primeiro programa nuclear bem-sucedido da história, o chamado Projeto Manhattan, ao lado do General Leslie Groves (Matt Damon), durante a Segunda Guerra Mundial. O resultado desse planejamento são as duas únicas bombas nucleares explodidas em territórios densamente povoados até hoje, as ogivas lançadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, que colocaram fim ao mais sangrento conflito militar em escala global da história.

A trama, no entanto, não busca o aprofundamento desse evento em específico, já que de nada fugiria de uma mera aula de história. O longa propõe uma entrada na perspectiva do físico homônimo do filme. Oppenheimer é destacado como uma figura de ética dúbia, com atitudes claramente problemáticas e politizadas.

Oppenheimer buscou contatos com diversos cientistas da área quântica e trabalhou como uma ponte entre a ciência e a política do projeto. [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

O personagem de Murphy é retratado inicialmente como professor de física judeu, que retorna aos Estados Unidos por conta da ameaça nazista. No meio universitário, se aproxima de grupos comunistas, onde encontra sua paixão em Jean Tatlock (Florence Pugh) e, posteriormente, com sua esposa Kitty (Emily Blunt).

A corrida nuclear armamentista começa a partir do momento em que Werner Heisenberg (Matthias Schweighöfer) avisa ao físico Niels Bohr (Kenneth Branagh) sobre o início dos planos alemães de desenvolvimento da arma de destruição em massa.

O programa constituía em criar o primeiro modelo antes que os nazistas o fizessem. Para isso, iniciaram com duas vertentes principais: a produção com o plutônio ou a com o urânio. Diversos cientistas e suas famílias foram chamados para morar no Laboratório Nacional de Los Alamos, no deserto do Novo México (EUA). 

Diversas grandes figuras da ciência participaram no processo: Richard Feynman (Jack Quaid), David Hill (Rami Malek), Robert Teller (Benny Safdie) – o idealizador da bomba H –, Enrico Fermi (Danny Deferrari), entre muitos outros. Além disso, outras figuras conhecidas, como o político e empresário Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), o irmão Frank Oppenheimer (Dylan Arnold) e o próprio Albert Einstein (Tom Conti) colaboraram com o desenvolvimento do programa Manhattan. 

O longa trabalha com uma quantidade enorme de personalidades históricas, o que engrandece a narrativa com nomes fortes na história humana, mas acaba por deixar a narrativa um pouco confusa e com baixo aprofundamento na maioria dos personagens trabalhados. No entanto, essa característica incomoda pouco, já que o enfoque está nos desdobramentos do protagonista e de sua criação.

O Prometeu Americano

A visão política acaba sobrepujando a perspectiva científica, e o pano de fundo histórico contribui para dialogar sobre a perspectiva de ascensão e queda de personalidades moralmente incertas. Grande parte do filme foi baseado na obra Prometeu Americano (Vintage Books, 2006) – inclusive esse foi um presente do ator Robert Pattinson ao diretor, que diz ter contribuído para a criação do filme. 

A simbologia do Prometeu data da Grécia antiga: um personagem que, ao roubar o fogo divino de Zeus – representação do conhecimento –, é aprisionado e condenado ao sofrimento pela eternidade. Oppenheimer é trabalhado assim, como alguém que foi condenado publicamente pelo seu trabalho ter ocorrido como o planejado, mesmo a mando e com financiamento do Estado norte americano.

“Agora, eu me tornei a morte, o destruidor de mundos”
J. Robert Oppenheimer

O físico foi rechaçado pelas suas ligações passadas com organizações comunistas e pela possibilidade de ser um espião soviético. Com o início da Guerra Fria e o projeto de Caça às Bruxas dentro do território estadunidense, os menores envolvimentos com políticas contrárias às ideologias ocidentais já eram suficientes para promover perseguições a figuras antes heróicas ao imaginário americano. 

Não só isso, a humanidade julgou a ação dos Estados Unidos de utilizar uma arma de tamanho poder de destruição em centenas de milhares de civis japoneses. A criação de um aparato científico desse porte colocou o sangue de cerca de 210 mil pessoas nas mãos de Oppenheimer. 

É aqui que entra a complexidade do roteiro. Oppenheimer é uma figura permeada por dualidades: um físico que colabora com a criação de uma bomba nuclear e sente a dor depois de ver seus usos; uma pessoa que foge de suas responsabilidades, como da criação de um de seus filhos ou da sua relação com Jean Tatlock, para buscar a resolução de questões de nível global; alguém que serviu de bode expiatório para culpas que não são singulares. 

No filme, Oppenheimer foi considerado por alguns anos pela mídia e pela população como o homem que terminou a Segunda Guerra Mundial; no decorrer dos anos, essa imagem foi sendo desconstruída. [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Por mais que Nolan crie uma narrativa de injustiça contra Oppenheimer, seja no drama com Strauss ou nas cenas de arrependimento dos seus feitos, é reforçado a todo momento que Oppenheimer manteve a sua postura em relação à criação da arma. A humanização do personagem é trabalhada a partir dos seus contrastes: o sistema em que está imerso o fez tomar aquelas decisões, segundo a própria ótica. Posteriormente, tudo o que resta é viver como promotor de um possível apocalipse planetário.

Na luta pelas estatuetas

Oppenheimer é capaz de prender a atenção do espectador por meio de uma relação contínua de tensão promovida no delinear da obra. O longa certamente concorrerá a diversos prêmios da indústria cinematográfica e disputar vagas em indicações na academia do Oscar, que já se provou interessada em filmes no mesmo estilo do longa. 

Dificilmente algum espectador saiu das salas do cinema sem ser atingido pelas atuações complexas e profundas de Cillian Murphy, Emily Blunt e Robert Downey Jr., além de outras figuras que dispararam ótimas cenas, mesmo com menos tempo de tela – como é o caso de Florence Pugh e Jason Clarke. No entanto, o destaque dado aos papéis dos três os fazem grandes concorrentes às premiações e às estatuetas de atuação.

Destaque também à marca do diretor, a sua ação saudosista constante em efeitos visuais. Infelizmente, o Brasil não pôde apreciar a obra em sua máxima resolução, já que o filme foi gravado em rolos de câmeras IMAX analógicas 70 mm, formato esse que é suportado por apenas 30 salas no mundo – nenhuma dessas nacionais. No entanto, o entusiasta da tecnologia IMAX ainda consegue desfrutar de uma qualidade absurda e de última geração. 

O filme do cineasta inglês utilizou cerca de 18 km de rolo de filmes, com peso total de quase 300 quilos, para compor a gravação das câmeras analógicas IMAX. [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

É difícil acreditar que Oppenheimer foi feito em menos de 2 meses – 57 dias. As escolhas de figurinos e a produção de maquiagem se adaptam constantemente à época, trabalhada de forma orgânica. A imersão e a produção de uma tensão até a famosa cena da bomba constroem um relacionamento do público com o protagonista que contribui para a dialética provocativa exposta. Aliado a isso, a genial atuação da trilha sonora, orquestrada por Ludwig Göransson – responsável por outros longas famosos, como Pantera Negra (Black Panther, 2018) e Creed II (2018) – destaca-se como uma das mais memoráveis do ano.

Um ápice a lá Nolan

O longa sobre o pai da bomba atômica encaixa como uma luva dentro da filmografia de Christopher Nolan. O diretor utiliza conceitos que já havia utilizado em filmes anteriores e rejeita outras questões que não foram tão eficientes, fato esse que transforma Oppenheimer num grande apanhado de ensinamentos sobre as vontades e os gostos da indústria e do próprio Nolan. 

Seu filme anterior, Tenet (2020) foi um fracasso de bilheterias, e isso se deve tanto pela questão pandêmica, que afastava os espectadores das salas de cinema, quanto pela complexidade científica-fantasiosa que o filme gera. Já no longa de 2023, a ciência é explicada com seus conhecimentos básicos e é possível compreender o que foi falado. Não havia a expectativa de que o apreciador de filmes soubesse detalhadamente os preceitos da física quântica nuclear, enquanto Tenet explorou exageradamente as questões sobre entropia de maneira caótica. 

A sua ideia de trazer duas linhas do tempo e perspectivas de visão dos personagens também é reciclada. Em Amnésia (Memento, 2001), o diretor já havia aplicado esse estilo para acompanhar a história de um homem que sofre de amnésia anterógrada. 

Nolan ainda conseguiu se manter extremamente coerente com a sua proposta histórica e política, algo que acabou descontinuado em Interestelar (Interstellar, 2014), com seu final destoante ao desenrolar científico. Além disso, o diretor traz de volta as discussões morais e éticas como tema central, assim como fez em Batman: Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) e A Origem (Inception, 2010).

Para recriar o projeto Trinity, primeiro teste de explosão nuclear do programa Manhattan, a produção contou com uma mistura de produtos químicos para não utilizar CGI. [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Outros elementos que são as marcas do diretor, como a questão dos efeitos visuais – foi reproduzido nesse filme uma explosão real para se assemelhar a uma bomba nuclear, sem computação gráfica – e o seu interesse em brincar com o tempo dos fatos, estão em ênfase na narrativa. 

É importante ressaltar que, caso o espectador não se impressione com outras obras do diretor, talvez esse não seja o filme mais indicado para os seus gostos. Mas é certo que Oppenheimer desponta como uma construção de anos de trabalho do diretor na indústria cinematográfica, e é nesse longa que Nolan coloca seu conhecimento à prova. 

O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Universal Pictures

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