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A internação dolorosa que a Covid causou

Livro de Ricardo Lísias revela o impacto da pandemia na vida do infectado e nos que estão ao seu redor

Uma dor perfeita (Editora Alfaguara, 2022) revela aquilo que pessoas de diferentes localizações geográficas vivenciaram desde que a Covid-19 contaminou os seres humanos pela primeira vez. Medo, angústia, inseguranças e incertezas transparecem na voz de um narrador em primeira pessoa assustado por sentir que uma linha tênue o separa da morte e o distancia daqueles que mais ama. Sensações essas que realmente foram vividas pelo autor, Ricardo Lísias, que ficou internado por quase duas semanas na UTI-Covid de um hospital particular entre março e abril de 2021. Nessa época, os números de contaminados e internados não cessavam de subir, e a esperança por uma vacina que ainda não estava disponível colocava a sociedade em tensão constante.

Por mais íntimo e pessoal que seja, é difícil que o leitor não se identifique com nenhuma parte do relato. Mesmo aqueles que não contraíram o vírus, devem conhecer alguém que foi contaminado e, talvez, que teve a situação agravada.

Uma dor indescritível

Pouco tempo depois da internação inesperada, Ricardo conta que piorou cada vez mais e sentiu o que considera como a dor perfeita — proporcionada pela Covid —, que causa delírios e sofrimento durante 48 horas. A dor é tamanha que Lísias chega a desejar que suas pernas sumissem e é incapaz de ouvir o que é dito ao seu redor, aumentando a agonia por não compreender os médicos e os enfermeiros e, consequentemente, o grau de gravidade da doença em seu corpo. 

Passado o momento mais crítico da internação, o autor relata o processo da lenta recuperação, ainda repleto de cautela, medo e insegurança. Enquanto isso, outros pacientes, compartilhando a internação com o autor, se despedem do mundo. Um adeus determinado muitas vezes pela intubação, o que permitia que grande parte dos internos, conscientes, soubessem o fim que os esperava logo ao serem informados da necessidade do procedimento. A melancolia de se despedir sem um abraço caloroso daqueles que ama e as últimas palavras de alguns deles são capazes de emocionar, assim como o fizeram com médicos e enfermeiros. 

O impacto social

“A UTI-covid está impregnada de morte. Se não é uma voz que desaparece, são enfermeiros e fisioterapeutas chorando. A gente então já sabe o que houve.” 

Profissionais da saúde, exaustos, ficam impactados com a evolução clínica dos seus pacientes seja positiva, seja negativa e, nem sempre, conseguem se controlar diante de todos os acontecimentos. Aumento de internos, mortes e mais mortes, notícias falsas e vários outros fatores dificultam a vida daqueles que estão na linha de frente. O autor conta que chegou a se acostumar a mudanças repentinas de humor dos profissionais. 

Pessoas do círculo afetivo de Lísias também são afetadas: sua esposa, mãe, filho e amigos sofrem junto com o narrador. Um jogo de mentiras e ocultações discreto começa e ambos os lados tentam proteger o outro, mostrando um pouco o amor recíproco que sentem entre si. E, talvez por causa desse amor, Lísias enxerga seu filho embaçado e sua esposa com olhos empedrados durante todo o período de sua internação.

Por outro lado, pessoas fora desses núcleos emanam repulsa e evitam sua esposa e filho, como se fossem eternamente contagiantes e culpados por terem contraído a Covid.

O passado e o futuro

Ricardo Lísias espera um futuro melhor e sem covid. [Imagem: Reprodução/ASCOM]

Pequeno, com cerca de 150 páginas, Uma dor perfeita também revela sobre o passado do autor. Durante reflexões no hospital, Lísias relata o seu relacionamento conturbado e distante com o pai. O autor também relembra outras situações do passado, como quando jogava xadrez e fez amizade com um dos seus colegas na universidade em que estudou. 

O fim do livro revela a esperança de um futuro sem a Covid, um momento de felicidade e alívio em saber que em meio de tantas derrotas ao vírus, a vitória também é possível. Uma dor perfeita será uma importante fonte, daqui alguns anos, desses tempos tão turbulentos cujas consequências não serão temporárias. Uma lembrança que certamente é mais dolorosa para alguns do que outros, mas permanentemente necessária; uma mostra de falta de empatia e, ao mesmo tempo, de mais empatia do que o esperado, em certos casos. É uma pequena amostra de como a visão subjetiva de um escritor é diferente do que aparece nos noticiários e relatos pessoais: é profunda, impactante e brutal.

Imagem de capa: Reprodução/Cia das Letras

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