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‘A Tensão’: exposição promete mexer com todos os sentidos, mas em tempo limitado

A atração durou dois meses em São Paulo e ficou conhecida pela Swimming Pool, uma piscina interativa que viralizou nas redes sociais

Captação de imagens realizada por J. Perossi, repórter de Audiovisual.

 

A mostra artística A Tensão, do artista argentino Leandro Erlich, estreou em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), situado no Centro da cidade, no dia 13 de abril e se encerrou na segunda, 20 de junho de 2022. O evento gratuito, após passagem pelo CCBB BH e CCBB RJ, chega a São Paulo com um conjunto de 16 obras que formam uma experiência ao mesmo tempo que imersiva, limitada. Swimming Pool  faz parte de uma delas e viralizou nas redes sociais pela criatividade dos visitantes nas fotos.

A estética de Erlich se dá através de uma visão inovadora que a todo momento é nutrida pela provocação do artista. Com um nome sonoramente ambíguo, em A Tensão (quem não lê pode ouvir “atenção”) cenas cotidianas são transformadas em arte, ao passo que o real torna-se inquietante a cada obra. Isso porque Erlich usa referências de lugares comuns, como um jardim ou até mesmo um corredor de portas, que, a partir dos seus traços, são condicionadas a oferecer um outro sentido. 

Em um tempo em que muitas fake news são difundidas por meio de imagens, fatos descontextualizados ou manipulados, a mostra reforça que nem tudo o que se vê é passível de se acreditar. Dessa forma, as obras ganham significado a partir da participação do visitante, possibilitando inúmeras interpretações e, a cada momento, geram sensações que o levam a tensão de questionar tudo aquilo que parece real, mas não é.

 

A exposição

Entre as diversas atrações da exposição, algumas se destacam pela possibilidade de interação do público. A estrutura Swimming Pool, a principal, permite que o público entre em uma piscina sem se molhar, tendo a perspectiva externa e interna desse “mergulho”. A Tensão ainda apresenta mais 16 estruturas que despertam os sentimentos de curiosidade e surpresa nos espectadores. Lost Garden é uma delas, em que os visitantes podem enxergar seu próprio reflexo através de uma janela, como se estivessem olhando para um jardim no exterior.

 

obra Lost Garden na exposição
O duelo entre ver o outro e enxergar a si mesmo. [Imagem: Reprodução/ J. Perossi]

 

A brincadeira com reflexos promovida por Erlich segue em La Vereda: nela, o público pode observar prédios de uma cidade refletidos em poças d’água. Essa atração estimula a percepção da arte por diferentes sentidos, uma vez que, além da visão, ela explora o som de gotas de chuva no ambiente urbano, o que torna a experiência ainda mais imersiva e realista.

 

obra La Vereda na exposição
As poças d’água de uma vida não tão real. [Imagem: Reprodução/ J. Perossi]

 

Outro destaque da exposição é a instalação The Cloud, em que o público tem a possibilidade de observar as nuvens de perto e, novamente, cria-se um jogo com as diferentes sensações e sentidos, pois, apesar de parecerem delicadas e enevoadas, as nuvens de Erlich são apenas sobreposições de estruturas de vidro e madeira — sólidos, palpáveis.

obra The Cloud em A Tensão
The Cloud, a beleza mutável criada pelas aparências da nossa própria visão. [Imagem: Reprodução/ J. Perossi]

 

Uma experiência imersiva, mas exclusiva

A exposição de Erlich, apesar de intrigante, em muitos momentos, é inacessível e excludente, especialmente pela estrutura das instalações. Desse modo, a arquitetura prejudica o acesso de um movimento artístico que pretende ultrapassar o que os olhos são capazes de enxergar. Uma vez que o acesso à parte superior da piscina se dá somente através das escadas, e em virtude ao pouco tempo que se há para contemplar, ou tentar, no mínimo, acaba sendo prejudicial a pessoas com baixa mobilidade, com pessoas com deficiência e idosos.

Não só isso, outro fator limitante da experiência é acessar o “fundo” da piscina, uma vez que há uma espécie de túnel no qual é preciso se abaixar para poder “entrar” na obra mais conhecida da mostra, que por possuir uma entrada estreita impede que cadeirantes acessem o espaço. Ou seja, embora haja uma experiência no qual é possível interagir, tal mecanismo não foi planejado para todos usufruírem. 

Além disso, o caráter “instagramável” de algumas obras chama mais a atenção do público para a produção de fotos e vídeos do que para a reflexão sobre a arte. Exemplo disso é a obra Swimming Pool. Embora as imagens compartilhadas nas redes sociais tenham despertado a curiosidade dos visitantes, esse momento artístico na exposição dura apenas um minuto e meio, o que impede, em muito, as sensações propostas por Erlich. Isso porque, com o tempo reduzido, deve-se optar por apreciar a obra ou registrá-la.

 

Ainda assim, é inegável que a gratuidade e a localização de A Tensão contribuem para a disseminação do acesso à arte para os mais diversos públicos da cidade de São Paulo. Propostas como essa democratizam o acesso à cultura e ao conhecimento, além de permitirem que grupos comumente excluídos desses espaços os ocupem e promovam suas próprias intervenções artísticas.

 

O manipulador do real em ‘A Tensão’

A exposição no centro cultural está tomada por diversas obras em formatos de janelas e portas, que ora carregam o simbolismo da curiosidade sobre a vida alheia, ora nos remetem ao estado de pandemia e isolamento social ao se sentir sozinho e confuso diante de uma nova realidade posta. Nessas primeiras, o que menos importa é o objeto em si ou aquilo que você vê através delas, mas a postura do visitante e a quase inevitável atitude de se aproximar e querer bisbilhotar.

obra Blind Window
Blind Window é uma das obras em formato de janela presente na exposição. [Imagem: Reprodução/ J. Perossi]

 

A exemplo disso, a obra The view escancara uma atitude comumente feita por trás das cortinas das casas: observar as janelas dos demais apartamentos. Quando o espectador se aproxima da obra e observa as cenas criadas nos vídeos que simulam outras janelas, ele é levado a assumir o curioso.

Outra estratégia adotada por Erlich foi utilizar elementos ópticos e ilusórios para mexer com nossas percepções a cada andar da exposição. A mostra, que propositalmente leva primeiro a uma sala de quadros, questiona uma arte clássica e aprisionada em molduras. Ao longo da exposição, esses quadros se transformarão em realidade, caso a curiosidade seja despertada ao lembrar do que antes não se podia tocar e, agora, é essencial para que novos significados sejam construídos nos visitantes. É preciso, desse modo, estar sempre atento para compreender essa interação proposta pelo artista.

quadros na exposição A Tensão
Dentre a sala dos quadros emoldurados é possível observar para além dos quadros, se reparar bem. [Imagem: Reprodução/ J. Perossi]

 

Para Erlich, a normalidade pode ser ressignificada. E ele utiliza de técnicas artísticas para compor isso: o reflexo de espelhos, o jogo entre luz e sombra, ou até mesmo por meio de uma ilusão de óptica posta em uma vídeo-instalação. Tudo é passível de transformar o comum em extraordinário e condicionar os nossos olhares a uma nova realidade. O que parece ser normal acaba sendo subvertido e constantemente o artista brinca com nossas percepções e curiosidades.

Uma oportunidade de conhecer as obras sem sair de casa é experimentar parte da mostra através do formato virtual. O CCBB conseguiu adaptar algumas de suas instalações a fim de propiciar ao público um pouco do que é possível ser sentido presencialmente. Embora a tour em 360º não consiga transmitir por completo o que o artista gostaria de despertar, é uma saída para aqueles que não conseguiram, ainda, vivenciá-la.

A exposição, por meio das ilusões de óptica, convida o espectador a olhar não apenas para arte, mas para si mesmo. O mundo A Tensão, criado por Erlich, apropria-se de elementos ordinários e mostra como a realidade pode ser extraordinária, se vista por ângulos e perspectivas diferentes.

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