Exibido pela primeira vez em Sundance, no dia 31 de janeiro de 2021, e vencedor do Big Screen Award no prestigiado Festival de Roterdã, O Cão Que Não se Cala (El Perro Que no Calla, 2021) trata da trajetória de vida de Sebastían, um homem argentino com seus 30 anos.
Acompanhamos durante uma hora e treze minutos o percurso dele nos empregos temporários, o conhecimento de um amor e a paternidade, até uma catástrofe abalar ainda mais sua vida. Protagonizado por Daniel Katz, irmão da diretora Ana Katz, e com nuances existenciais, o longa apresenta o drama existente no desenvolvimento da personagem principal nas etapas da vida adulta.
Vivendo no automático, Seba experiencia momentos extremos que decorrem de forma gradual. O início é marcado pelo acolhimento da cadela que não para de chorar (O cão que não se cala), depois, a volatilidade dos empregos, os relacionamentos aparentemente pouco profundos e, por fim, a queda de um meteoro — catástrofe final que sustenta a premissa ficcional do filme. Nesse meio tempo, somos espectadores das decisões e escolhas tomadas pelo protagonista, na tentativa de se contornar essas situações.
É possível pensar que a proposição do vínculo entre Seba (Daniel Katz) e a cadela Rita seria explorada mais intimamente no decorrer do filme, mas isso é abordado mais como um começo para a jornada dele. Os animais são incorporados em cenas fundamentais, como easter eggs, que marcam a passagem dos eventos essenciais na jornada do protagonista.
Há momentos, porém, em que o comportamento da personagem principal se confunde com o do animal. Como se os dog days estivessem longe de acabar, a impressão que fica é a da aceitação e do acolhimento dos baixos vivenciados. A presença de uma atitude compassiva e obediente em meio à toda carga melancólica retratada no filme também se faz presente.
Por outro lado, o filme pode funcionar, também, como uma metáfora para a pandemia. Em muitos momentos, a atmosfera dele transmite uma pressão, acentuada pela expectativa de que as consequências da tragédia da colisão do meteoro irão passar.
O que poderia servir como um impulsionador de uma resiliência, ou uma atitude mais incisiva em meio a todo caos da situação, acaba por impactar ainda mais, e numa escala maior, Sebastían, que tem seus dramas de volta à tona com as consequências sentidas no trabalho, na vida pessoal e na relação consigo mesmo.
A escolha em se transmitir a ideia do filme em preto e branco parece obedecer mais a critérios estéticos do que técnicos em princípio. Porém, isso fortalece a impressão dramática que a diretora Ana Katz parece propor para a narrativa. À medida que os acontecimentos te deixam a par das situações envolvendo a personagem vivida por Daniel, temos a formação de um cenário marcado pela inconsistência da sociedade, que oprime e acentua os desencontros vividos por ele.
Ela também utiliza de animações em gravura para esclarecer algumas narrativas e quebrar a monotonia e o drama que o b&w transmite. Em momentos chaves para Sebastían, esse recurso chega a acelerar pontos na narrativa que são fundamentais para o entendimento do que se passa durante o filme todo. A escolha foi inteligente, pois ela embeleza o filme e consegue, de certa forma, conectar os episódios um pouco desconexos, como a relação entre ele e o animal, a demissão no trabalho e as decisões tomadas por Seba.
Aqui, cabe um destaque para a atuação de todos os cachorros durante o filme, que se saíram perfeitamente bem e trazem leveza à história sem muita profundidade de enredo, mas muito complexa sentimental e humanamente.
O longa seria excelente se houvesse um cuidado melhor ao aprofundar temas de relevância para a sucessão de fatos na narrativa de vida de Sebastian, como a relação com a cadela ou, ainda, com a mulher e o filho.
Algumas cenas parecem um pouco avulsas e não incrementam tanto na composição da obra final. Isso, de certa forma, pode ter sido uma escolha eficiente na narração dessa história que é simples, mas que, mesmo assim, deixa em aberto um potencial inexplorado de análises comportamentais e de abordagens mais esperançosas sobre a condição da personagem e da vida humana.
Proposto como ficção, o longa se encerra por operar como um drama existencial de um protagonista que está tentando se encaixar e ocupar um lugar de um mundo. Junto de boas atuações e de uma direção de arte comprometida com a entrega de um filme bonito e interessante, mas com uma história comum, O Cão que Não se Cala é uma tentativa sutil de crítica à pós-modernidade e a desumanização das relações.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:
Imagem de capa: Reprodução/Instagram/elperroquenocalla