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Abelhas sem ferrão: entre a sustentação do meio ambiente e a ameaça à sobrevivência

O desmatamento é prejudicial à reprodução das abelhas e afeta ecossistemas inteiros, incluindo os seres humanos, já que boa parte da nossa alimentação depende desses agentes polinizadores.

Fofas, delicadas e também temidas (sem motivo), as abelhas sem ferrão – também conhecidas como abelhas indígenas – possuem essas designações, primeiro, por causa do ferrão atrofiado (o que as tira a capacidade de ferroar, por isso, não há motivos para temê-las); segundo, por serem aproximadamente 250 espécies originárias dos biomas brasileiros, conhecidas antiquíssimas dos indígenas.

Exemplos de abelhas sem ferrão, que você provavelmente já viu, são a jataí (Tetragonisca angustula), a mandaçaia (Melipona quadrifasciata), a abelha-cachorro (Trigona spinipes) e a lambe-olhos, que parece um mosquitinho (Leurotrigona muelleri). Elas têm várias formas, cores, sabores de mel, formatos de ninho e, por isso, são bem diferentes das famosas abelhas melíferas (Apis mellifera), populares pelo grande apelo cultural e artístico em torno delas. Essa famosas são as personagens do popular filme da DreamWorks, Bee Movie.

Com grande número de espécies nativas das matas brasileiras, as abelhas sem ferrão ganham inúmeros estudos e projetos país afora, tais como o site WebBee, apoiado pela Universidade de São Paulo (USP), ou o A.B.E.L.H.A. – ambos voltados para educação acerca das abelhas –, assim como o Laboratório de Abelhas da USP, de onde saem diversas pesquisas científicas.

 

[Imagem: Por Felipe Bertholdi Fraga, biólogo e fotógrafo]
[Imagem: Reprodução/Felipe Bertholdi Fraga]

 

Tal atenção se dá tanto por situações cada vez mais preocupantes envolvendo as abelhas, como o desmatamento, prejudicial à  reprodução da espécie, quanto pela importância desses insetos, que são “provedoras” no meio ambiente, pois auxiliam na reprodução de diversas espécies vegetais a partir da polinização.

Biólogo e mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Christyan Lemos Bergamaschi explica que boa parte da nossa alimentação depende das abelhas da nossa região – e ele não se refere somente ao mel: “Nossa alimentação, sendo basicamente de origem animal e vegetal, inclui muitos produtos da polinização das abelhas, como os frutos”, afirma. “Com a polinização, ocorre a formação de frutos, então vários alimentos só existem graças à ação das abelhas, como maracujá, abóbora e melão… Sem as abelhas, os nossos recursos alimentares seriam muito diminuídos”. 

 

Imagem: Reprodução/fototeca Cristiano Menezes, fotógrafo e pesquisador da Embrapa]
[Imagem: Reprodução/Cristiano Menezes]

 

Christyan explica que a polinização ocorre quando o pólen, cujos grãos são os gametas masculinos da flor, encontra-se com o estigma de outra ou da mesma flor, promovendo a fecundação. O estigma é a parte feminina do aparelho reprodutor da flor, e o pólen pode encontrá-lo por meio do vento ou com a ajuda de agentes polinizadores, como as abelhas. Os agentes podem levar uma quantidade maior de grãos, e assim, garantem um melhor sucesso na fecundação. Por isso, o trabalho de polinização das abelhas é indispensável, ainda mais sendo animais tão adaptados a tal trabalho. Elas possuem em suas patas traseiras, as corbículas, compartimentos especiais voltados exclusivamente para o carregamento de produtos melíferos, como o pólen.

 

Nem tudo são flores… para as abelhas visitarem

Como nem tudo é somente beleza, o dado preocupante é que determinadas espécies dessas abelhas vêm sendo prejudicadas pela crescente destruição florestal. Pense: se essas abelhas nativas dos biomas brasileiros conseguiram desenvolver características evolutivas ao longo do tempo, criar ligações biológicas com a vegetação nativa e adaptar-se à flora, o que pode acontecer se essa vegetação começa a sumir? 

Não é de hoje que os alertas sobre desmatamento nas vegetações nativas do Brasil vigoram mídia afora, e um dos impactos é a morte de expressiva quantidade de abelhas. O Greenpeace, organização não-governamental pela preservação ambiental e sustentabilidade, com dados do sistema DETER, de detecção de desmatamento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), revela que, do final de 2019 até o meio de 2020, foi registrada a maior crescente de alertas de desmatamento na Amazônia da história.

Abelha sem ferrão em seu ninho [Imagem: Reprodução/Jerônimo Villas-Boas]
Abelha sem ferrão em seu ninho [Imagem: Reprodução/Jerônimo Villas-Boas]

 

“Estudos feitos na Amazônia relacionam desmatamento à perda de diversidade genética, pois a morte de espécies diversas diminui essa diversidade. É como um efeito cascata”, explica a bióloga e doutora em ecologia Sheina Koffler, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Assim, quanto mais indivíduos morrem ou fogem de um ambiente devido ao desmatamento, menor é a taxa de reprodução, e a espécie pode sumir. E o sumiço de uma espécie promove o desaparecimento de outras, devido à complexa teia alimentar e às relações ecológicas entre os organismos. 

Com o desmatamento, o habitat de milhares de organismos é devastado. Com as abelhas não é diferente: sua capacidade de fazer ninhos e de forragear (buscar alimento) é comprometida. “Muitas abelhas dependem de árvores de grande porte para construir os seus ninhos e também se alimentam de uma grande diversidade de flores. A perda dos ambientes naturais causa um efeito negativo”, afirma a pesquisadora. De acordo com ela, algumas espécies são mais sensíveis do que outras às mudanças ambientais e, por isso, têm a sobrevivência ameaçada. As mais resistentes são capazes de se adaptar ao ambiente urbano, quando seu habitat nativo é degradado, e produzem ninhos em muros e construções no cenário urbano que toma o lugar da floresta. Mas mesmo que existam algumas “abelhas da cidade”, todo indivíduo perdido e qualquer espécie ameaçada importa.

 

Uma dose de esperança

Uma atividade normalmente associada ao desmatamento é a agricultura – já que por muitas vezes é preciso ampliar grandes áreas de monocultura (plantações que fornecem um único produto agrícola). Hoje, há um empenho em se implementar a gestão ambiental no cultivo da terra, a partir de muitos projetos que pensam na proteção das abelhas. Um exemplo são os pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP de Piracicaba, onde há estudos que buscam relacionar o papel das abelhas com a atividade agrícola, motor da economia brasileira. 

Bióloga e doutora em ecologia pelo Instituto de Biociências (IB) da USP, Denise de Araújo Alves explica que a diversidade de plantas no entorno de uma monocultura ajuda a impedir um déficit nutricional nas abelhas e disponibiliza um local para ninho. “Quanto mais o ambiente for conservado no entorno da monocultura, ou seja, quanto maior a quantidade de substratos arbóreos, maior a presença das abelhas sem ferrão”, afirma. 

É sempre bom ter abelhas por perto se você é agricultor e por isso a gestão ambiental busca adentrar nos negócios brasileiros. “A polinização contribui com cerca de 12 bilhões de dólares por ano, isso é 30% de todo o rendimento agrícola anual, de todas as culturas que dependem em algum grau de polinizadores”, explica Denise. Os dados são de pesquisas da própria Esalq, que podem ser encontrados também em periódicos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, entre outros. Segundo ela, as abelhas sem ferrão podem se adaptar às vegetações mistas (de plantações agrícolas junto com mata nativa), potencializando a produtividade agrícola – frutos maiores, mais saborosos, com mais sementes e até com mais nutrientes. “Não só em relação a produzir mais, mas produzir com maior qualidade. O girassol, por exemplo, quando é visitado pelas  abelhas, tem o óleo com uma quantidade infinitamente maior de vitamina E”, completa.

 

As abelhas são aliadas na agricultura [Imagem: Reprodução/Wikipedia Commons]
As abelhas são aliadas na agricultura [Imagem: Reprodução/Wikipedia Commons]

 

Falar de abelhas em propriedades agrícolas é falar também em ter uma boa imagem perante a sociedade, cada vez mais informada sobre a situação ambiental e consciente como consumidora de produtos que têm impacto ambiental. “A biodiversidade terrestre tem um valor muito mais amplo que o valor econômico. As abelhas prestam outros serviços sistêmicos, como na fertilidade do solo e proteção às enchentes, devido sua contribuição para uma cobertura vegetal maior e em paisagens com flores. O valor da biodiversidade é um imensurável”, afirma Denise.

O que é certo é que as abelhas são muito mais que insetos bonitinhos: elas têm a vida do planeta em suas mãos – ou melhor, em suas corbículas.

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