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Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico de Tóquio 2020

Em ciclo pré-olímpico turbulento em decorrência da pandemia, os atletas de Tóquio 2020 tiveram que lidar com desafios nas dimensões física, mental e nutricional

No dia 8 de agosto de 2021 chegou ao fim a 32ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão, sediada em Tóquio. A competição ocorreria originalmente entre julho e agosto de 2020, contudo a chegada da pandemia da covid-19 mudou os rumos do evento. Tóquio 2020 ficou marcada pela superação dos atletas após um ciclo de preparação pré-olímpico turbulento por causa do coronavírus, que exigiu o isolamento social e comprometeu a forma como os treinos esportivos aconteciam até então. 

 

Os impactos da pandemia nos atletas

Rafael Buzacarini (Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico)
[Imagem: Reprodução/Rafael Buzacarini]
Devido aos protocolos de segurança estabelecidos para evitar a propagação do vírus, os atletas olímpicos foram obrigados a deixar seus treinos presenciais e passaram a se preparar em casa.

O judoca olímpico Rafael Buzacarini conta: “Precisávamos tomar cuidado para não sermos infectados pela covid-19 e, paralelamente, tínhamos que treinar porque as competições estavam chegando”. A estrutura limitada que os atletas possuíam em casa não foi capaz de manter os treinos de alto padrão. Rafael, inclusive, percebeu um impacto negativo na sua performance. 

Pedro Murara, médico do esporte pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que esse impacto ocorre por conta do destreino. Ou seja, com a ausência de treinos de maior intensidade, o atleta tende a perder rapidamente sua capacidade física. O médico completa dizendo que o tempo necessário para que isso aconteça é relativo, uma vez que fatores como características fisiológicas e sexo interferem na rapidez com que o processo acontece. 

O médico afirma que, em poucos dias de destreinamento, o atleta perde capacidade de força; de potência; aeróbica (de captar, fixar, transportar e utilizar oxigênio) e anaeróbica (de fazer exercício de alta intensidade gastando pouco oxigênio). E quanto maior o período de ausência de treino, maiores são as perdas. Além disso, esse efeito pode ser potencializado caso aconteça alguma agressão ao organismo, como uma infecção. 

João Cimurro é outro judoca que percebeu piora em seu rendimento. O atleta atrelou essa questão à grande redução na intensidade de seus treinos. Mesmo tendo praticado em sua casa durante a pandemia, a falta de uma estrutura adequada foi capaz de diminuir sua performance. “No treinamento é onde evoluímos. Diminuindo a intensidade do treino e outros aspectos, o nosso rendimento vai lá pra baixo”, completa. 

Ricardo Oliboni, preparador físico da seleção de vôlei feminino da República Dominicana, explica que grande parte dos exercícios feitos à distância não é capaz de proporcionar os estímulos necessários ao atleta, porque a alta performance demanda um treinamento adequado e mais potente. 

 

O retorno às atividades e suas dificuldades

Esse contexto, de destreinamento e ausência de estrutura de treino adequada, impõe uma série de desafios aos atletas na recuperação de sua forma física, técnica e tática alcançada antes da pandemia.

Ricardo Oliboni (Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico)
[Imagem: Reprodução/Ricardo Oliboni]
No caso da seleção feminina de vôlei da República Dominicana — classificada para disputar os Jogos Olímpicos —, por exemplo, foi registrado uma queda da potência física das atletas quando voltaram a acessar os centros de treinamento por volta de setembro de 2020, após cinco meses treinando em casa. O preparador Ricardo relata que as jogadoras voltaram a treinar com a sua capacidade de salto reduzida e com menor potência em outros fundamentos, como o saque e o ataque.

A agenda de volta às quadras na República Dominicana precisou seguir, primeiro, a recuperação do condicionamento físico das atletas. Ricardo conta que, no primeiro mês de retorno, as atletas treinaram principalmente na academia para recuperar habilidades como força e flexibilidade, assim como para evitar lesões.

Passado esse período, as atletas retornaram as atividades dentro de quadra com mais intensidade. O preparador físico ainda conta que, algum tempo após o retorno, elas conseguiram alcançar um rendimento físico semelhante ao de antes da pandemia.

Algumas atletas dominicanas, como Brenda Castillo, Brayelin Martínez e Jineiry Martinez, tiveram a oportunidade de jogar em campeonatos de vôlei fora do país após esses treinos com a seleção. Dessa maneira, conseguiram voltar de vez a seguir o calendário das competições esperadas para o ano de uma maneira próxima do normal.

Entretanto, nem todas as modalidades esportivas contaram com os mesmos privilégios de esportes como voleibol, futebol, tênis e basquete, que conseguiram seguir sua programação após o lockdown.

O judô, por exemplo, passou por um retorno mais complicado. Por ser um esporte de muito contato físico, seguir as recomendações contra a covid-19 foi uma tarefa difícil. Várias atividades continuaram suspensas.

Rafael Buzacarini relata que, antes da pandemia, ele mantinha a frequência de dois a três treinos, de segunda-feira a sábado, o que incluía treinos técnicos, físicos e fisioterapia. 

João Cimurro (Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico)
[Imagem: Reprodução/João Cimurro]
João Cimurro também relata que sua frequência de treino foi reduzida em 5 vezes e passou para apenas duas vezes por semana dentro do seu clube, após o retorno às atividades presenciais. Antes da pandemia, ele treinava duas vezes por dia, de segunda a sexta-feira, entre preparação física e técnica.

Segundo ele, algumas oportunidades de colocar em prática o que era treinado foram prejudicadas. Uma delas, por exemplo, era um encontro no Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, promovido por vários atletas para praticar o esporte. Essa atividade foi paralisada e não foi retomada desde o início da pandemia.

O caminho para Tóquio 2020, dessa forma, mostra-se bastante variado de atleta para atleta e de modalidade para modalidade. Alguns foram mais prejudicados, como João, que estava em sua transição da seleção de base do judô para a seleção sênior; outros menos, como as atletas do vôlei que conseguiram seguir o seu calendário.

 

Corpo e mente 

Yan Cintra (Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico)
[Imagem: Reprodução/Yan Cintra]
Com a pandemia, questões neuropsíquicas, psicológicas e nutricionais tornam-se ainda mais importantes. Yan Cintra, psicólogo esportivo de atletas que participaram da Tóquio 2020, explica que questões como o medo de prejudicar a própria saúde e a saúde dos familiares; a dinâmica e mudança da rotina dos treinos e ver atletas de outras nações conseguindo treinar de forma normal — já que a pandemia estava controlada em alguns países — impactaram os atletas psicologicamente. “Muitos ficaram ansiosos, estressados e angustiados com a situação”, completa.

A socialização é inerente aos seres humanos. Ela aparece também no mundo competitivo do esporte: sem ela, os atletas não enxergam as dificuldades enfrentadas uns pelos outros. Segundo Yan, essa visão é importante para o psicológico dos competidores e sua ausência gera consequências negativas à saúde da mente.

“Antes havia uma agenda de eventos preparatórios e todos tinham certeza de que ocorreriam. Com a pandemia, essa periodização passou a não existir, o que prejudicou psicologicamente quem competiu”, completa.

Um dos problemas que isso pode trazer é o advento de transtornos alimentares: sem um equilíbrio psicológico, é mais difícil ter um equilíbrio alimentar, segundo Yan. Nesse sentido, a pandemia, ao influenciar a mente do atleta, pode prejudicar também sua dieta. 

Vanessa Lodi (Preparo dos atletas no ciclo pré-olímpico)
[Imagem: Reprodução/Vanessa Lodi]
A nutricionista esportiva Vanessa Lodi afirma que a importância de uma boa alimentação para o atleta é justamente o alto rendimento no esporte. “O atleta aumenta a performance, disposição para treinar, não tem hipoglicemia e ganha muitos outros benefícios”. Por isso, é necessária uma boa alimentação. “Em eventos de grande pressão psicológica, pode haver desvios na dieta — pode-se parar de comer ou comer muito mais do que é preciso. Nesses momentos, há um trabalho em conjunto do psicólogo [que acompanha o atleta] para que o problema seja resolvido e, assim, o atleta consiga voltar à normalidade de seu rendimento”, completa.

Uma questão relevante, segundo Pedro, é que uma boa alimentação é um dos fatores determinantes para a redução de risco de obesidade , que colabora para a evolução negativa do quadro clínico da covid-19. Outro fator levantado pelo médico é que uma dieta balanceada pode trazer uma maior imunidade e, caso o atleta se infecte com o vírus, ele pode enfrentar a doença com mais facilidade. 

Yan faz mais uma contribuição ao debate: “O nosso organismo é um sistema integral e, por isso, há diversas variáveis psiconeurofisiológicas, ou seja, que afetam a nossa parte psicológica, neurológica e física”. É por essa interligação entre os sistemas do nosso corpo que, em um dia estressante — para além de dor de cabeça —, os efeitos podem ser sentidos no sistema digestório, por exemplo. É comum, nesse caso, sentir um incômodo no estômago, gerado por uma inflamação gástrica — condição chamada gastrite nervosa. “Para os atletas, muitas vezes o overtraining [perda da performance em decorrência do treinamento excessivo] não vem de uma questão física, mas sim psicológica. Então, há uma somatização de elementos”. Pedro explica que quando há aumento do cortisol, por exemplo, hormônio geralmente associado ao estresse, pode haver um aumento ou diminuição de peso, além de outros efeitos sutis. No entanto, um pequeno impacto já faz diferença para esses profissionais que dependem de detalhes para vencer uma competição.

 

A preparação dos atletas que contraíram covid-19

Pedro Murara
[Imagem: Reprodução/Pedro Murara]
Os atletas não estão isentos de contrair a doença e sofrer os seus impactos. O médico Pedro relata que a covid-19 os atinge de maneira ainda mais prejudicial, devido às sequelas que podem aparecer em decorrência da doença. A falta de ar, pelo comprometimento pulmonar, os acometimentos cardíacos e prejuízos na massa muscular podem pôr em jogo o desempenho dos atletas.

O tenista sérvio Novak Djokovic, por exemplo, contraiu a covid-19 e teve dificuldade em retomar o seu melhor desempenho físico após a doença — mas teve êxito e conquistou campeonatos. O atleta do vôlei de praia Bruno Schmidt também se infectou, mas não retornou bem e passou por dificuldades até as Olimpíadas. Outro exemplo é a jogadora de vôlei Tandara Caixeta, que também contraiu a covid-19 em meio à temporada de clubes aqui no Brasil e foi criticada por sua suposta queda de rendimento.

O recomendado é a elaboração de um programa de retorno adequado para que o atleta volte a desempenhar suas atividades observando cautelosamente possíveis efeitos do vírus. Pedro conta que existem protocolos de retorno para atletas que tiveram casos leves de covid-19 que preveem a volta em cinco semanas. Nesse contexto, semana a semana, o treino evolui em complexidade, intensidade e volume respeitando uma série de critérios para que se exija mais do seu desempenho de forma gradual e adequada.

A chegada dos atletas que contraíram covid-19 às competições esportivas pode ser melhor do que se espera. Contudo, não é possível prever como o organismo de cada atleta reage em contato com a doença. A infecção pode vir durante um momento chave de sua preparação e atrapalhar o seu rendimento ou até em um momento mais distante dos jogos, em que se tem mais tempo para recuperação.

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