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Alzheimer e música: uma relação neurológica e emocional 

A música é um resquício da memória e pode afetar positivamente a vida de pacientes com Alzheimer

Um novo remédio para o Alzheimer, o Aducanumab, foi aprovado no início de junho deste ano pela Foods and Drugs Administration (FDA), agência estadunidense reguladora do setor farmacêutico. Apesar de ser um avanço, após 18 anos sem a aprovação de novos medicamentos para a doença, a droga gera controvérsias entre os especialistas. Assim como a medicação, outras características dessa demência também são incertas: não se sabe ao certo suas causas, a forma como se manifesta em cada paciente e quanto tempo um idoso portador tem antes de se tornar totalmente dependente. A única certeza é que ele vai se esquecer dos amigos, da família, de como realizar atividades básicas e da própria identidade.

Em meio a essas perdas, uma memória se mantém por mais tempo: a música. Mesmo após esquecer o nome de um familiar, o paciente pode se lembrar com detalhes da letra de alguma canção que marcou sua vida e até mesmo arranhar algum instrumento. 

O Alzheimer

Claudia Suemoto, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) na área de geriatria e envelhecimento cerebral, em entrevista ao Laboratório, explica que demência é um grupo de doenças neurodegenerativas do sistema nervoso central que levam a perdas de cognição, memória, linguagem e raciocínio, o que diminui a autonomia do paciente. O Alzheimer faz parte desse grupo e, de acordo com Claudia, uma das hipóteses para a causa dessas perdas nessa doença é o acúmulo de proteínas danosas ao cérebro a beta-amiloide e a proteína tau —, que, ao longo de anos, levam à morte dos neurônios.

Apesar dessas proteínas serem conhecidas, o diagnóstico desse mal ainda é presumível, baseado em testes cognitivos e em exames de neuroimagem: “O diagnóstico definitivo requer o exame do tecido cerebral, o que apenas é feito depois do óbito”, afirma a professora.

Sueli, de 67 anos, passou dificuldade em seu diagnóstico. Seu filho, Paulo, conta que a estavam diagnosticando com Alzheimer, mas no ano seguinte foi confirmado que se tratava da  Demência Fronto Temporal (DFT), que evolui mais rápido e atinge principalmente o comportamento e a linguagem.

 

Por que a música demora a se perder?

Sueli gosta muito do cantor Zé Ramalho. Quando Paulo toca Chão de Giz, ela dá risadas, e ele sente que ela reconheceu a música. Assim como Sueli, pessoas com Alzheimer costumam lembrar de canções que fizeram parte da sua vida: Maria* é um exemplo, mesmo sem lembrar o nome de seu neto, corrige-o quando ele erra alguma nota no teclado. Já Antônio* fez parte de uma dupla sertaneja e, ao cantar com o seu musicoterapeuta, assume a segunda voz, como sempre fez ao longo de sua vida. A explicação para isso é a forma como as proteínas tau e beta-amiloide atingem o cérebro.

[Imagem: Reprodução/Claudia Suemoto]

Claudia esclarece que o hipocampo, no qual é formada a memória recente, é a primeira região do cérebro afetada, já a região que armazena lembranças antigas é uma das últimas a ser atingida. Desse modo, uma música que fez parte de algum acontecimento pessoal da vida do indivíduo e, portanto, foi armazenada, será lembrada por muito tempo.

Outras recordações antigas, como a identidade de cada um ou o lugar que nasceu também serão guardadas por um período maior. Entretanto, as canções são mais vívidas na memória desses pacientes, devido ao aspecto sentimental, como ocorreu com a bailarina Marta Gonzalez, no momento em que lembrou os movimentos de Lago dos Cisnes, em vídeo que viralizou na época.

 

 

“É algo muito enraizado na identidade dela, na memória e no emocional”, diz Claudia. Segundo a especialista, esse comportamento vai além da área musical. Uma pessoa que sempre jogou cartas pode ganhar de outras, mesmo com a doença. “É uma coisa mais no automático, que tem uma carga emocional, que traz prazer ou dor.”

A música como tratamento para o Alzheimer

Hoje, há dois medicamentos usados no tratamento para o Alzheimer, a anticolinesterase e a memantina. O primeiro atua para inibir a ação de enzimas que degradam a acetilcolina, um importante neurotransmissor. O segundo atua em certos receptores, a fim de melhorar a transmissão de sinais nervosos. Todavia, ambos apenas retardam temporariamente o avanço da doença. A droga recentemente aprovada gera esperança, mas ainda requer um estudo adicional para definir sua real eficácia. 

O musicoterapeuta e gerontólogo Mauro Anastácio defende uma abordagem multidisciplinar: com a presença de fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos e, inclusive, com o uso da música. 

[Imagem: Reprodução/ Mauro Anastácio]
[Imagem: Reprodução/ Mauro Anastácio]
Ele explica que essa arte tem uma ativação ampla no cérebro, ajudando os idosos, que são os mais afetados pela doença, a despertar lembranças guardadas: “Nós estamos falando da letra da música que é memória, do cantor, do som, da melodia. Fora isso, tem os momentos de vida desse idoso que estão associados a essa música”. Essa forma de tratamento também melhora os sintomas comportamentais, tais quais a ansiedade, a depressão e a agressividade. Isso tudo contribui para que as relações sociofamiliares sejam mais prazerosas, o que impacta na qualidade do cuidado ao idoso. 

“Quando eu chego com o meu violão, às vezes ela diz: ‘olha, olha, olha’. E aí pega o violão, tira ele da capa ou traz ele pra mim, [como se dissesse] toca aí, vai”, conta Paulo. Assim, ele leva canções para o dia a dia de sua mãe, sempre com o objetivo de deixá-la mais feliz e tranquila. No entanto, o musicoterapeuta alerta que apenas levar a música para o cotidiano do paciente, sem um acompanhamento profissional, mesmo trazendo efeitos positivos, exige cuidado. Isso porque o contato com um estímulo musical pode gerar emoções que levem ao engasgo ou à alteração do batimento cardíaco.

 [Imagem: Reprodução/Paulo Cholla]
[Imagem: Reprodução/Paulo Cholla]
 

Mauro também explica que, na implementação da terapia, há a análise de como a demência afeta o idoso e, a partir disso, técnicas são utilizadas de acordo com a necessidade de cada um. Uma delas é a composição de uma letra com elementos da vida desse indivíduo, o que fortalece as memórias ainda presentes. Além da importância do uso de canções do repertório de vida do paciente.

Já Claudia ressalta que, mesmo que  faça sentido que a música possa acalmar ou suscitar lembranças, os estudos das terapias relacionadas ao Alzheimer não seguiram um ensaio clínico, seja pela falta de um grupo controle, seja pela pequena quantidade de participantes.  Logo, não há uma evidência concreta de que esse tratamento funcione.

Quando questionado sobre os desafios relacionados à terapia, Mauro acredita que ainda há muito a se desenvolver, além de pontuar que é um tratamento desconhecido por muitos e que muitas vezes é visto apenas como um entretenimento. Ele acrescenta que, caso a musicoterapia seja regulamentada, a área se ampliará mais facilmente.

 

*Maria e Antônio são nomes fictícios

1 comentário em “Alzheimer e música: uma relação neurológica e emocional ”

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