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Observatório | Vacinas da Covid-19: o que vem por aí?

A importação de 6 milhões de doses da vacina Coronavac pelo Instituto Butantan, autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na última sexta-feira (23), ainda não significa que a vacina poderá ser utilizada no Brasil. Enquanto a Anvisa não autorizar a aplicação do imunizante, é de responsabilidade do Instituto armazenar as doses e garantir …

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A importação de 6 milhões de doses da vacina Coronavac pelo Instituto Butantan, autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na última sexta-feira (23), ainda não significa que a vacina poderá ser utilizada no Brasil. Enquanto a Anvisa não autorizar a aplicação do imunizante, é de responsabilidade do Instituto armazenar as doses e garantir que não sejam usadas.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI), com foco na vacina contra a Covid-19, está previsto para começar em janeiro de 2021 e, segundo o Ministério da Saúde, serão 15 milhões de doses disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de todas as polêmicas, estudar um vírus e criar uma vacina em menos de dois anos, como é o esperado, era impensável no começo de 2020.

O Brasil faz parte do programa de cooperação Covax Facility, cujo objetivo é garantir acesso igualitário ao imunizante
O Brasil faz parte do programa de cooperação Covax Facility, cujo objetivo é garantir acesso igualitário ao imunizante [Imagem: Yann Forget / Wikimedia Commons]
Todavia, o doutor em Saúde Coletiva, Dário Frederico Pasche, atenta para “a consciência sanitária biomédica do brasileiro, que acredita que, para lidar com problemas de saúde, deve-se acessar médicos e consumir insumos biomédicos”, algo que pode ser, e tem sido, muito prejudicial neste cenário. 

“Eu temo que essa perspectiva da vacina é mais uma perspectiva biomédica, e a gente vai relaxar as atividades, tanto da atenção básica, quanto do distanciamento físico”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


Produção e aprovação

O desenvolvimento de uma vacina segue padrões altos de exigência e protocolos específicos. A princípio, é necessário identificar e estudar o agente causador e buscar a melhor composição para a vacina – essa é a fase exploratória ou laboratorial. Após a definição dos melhores componentes para o imunizante, tem início a fase pré-clínica, quando são realizadas experimentações in vitro e testes em animais.

Em seguida, começa a fase clínica: teste da vacina em humanos, que é dividido em três partes. Na primeira etapa, fase 1, são testados de 20 a 80 adultos saudáveis, para a verificação da segurança do produto. Na segunda fase, para analisar a eficácia da vacina e possíveis efeitos colaterais, são testadas de 100 a 300 pessoas aleatórias. Por fim, na fase 3, são testados milhares de voluntários, com o objetivo de verificar a segurança e a eficácia do imunizante no público-alvo a que se destina.

No Brasil, a vacina precisa do aval da Anvisa. Geralmente, imunizantes só são aprovados com 70% de eficácia, contudo, para as vacinas contra o novo coronavírus, a Anvisa já admite que poderá conceder a licença com 50% de proteção. Mesmo após a aprovação e a fabricação em larga escala, o imunizante continua sendo monitorado. Com a vacina já em comercialização, as pessoas que recebem a dose são acompanhadas, para verificação da eficácia desejada e de possíveis reações adversas.


Vacinas em desenvolvimento

Das cinco vacinas em fase final de desenvolvimento, quatro estão em teste no Brasil. Os estudos se concentram, atualmente, nas Américas e nos países europeus que enfrentam uma segunda onda de transmissão do vírus. 

A Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, é considerada uma das mais promissoras, apesar das polêmicas que giram em torno da vacina. O imunizante encerrou a terceira fase de testes e os dados de eficácia devem ser divulgados entre novembro e dezembro. Apesar de já contarem com os dados de segurança do estudo clínico de eficácia, é preciso esperar os voluntários terem contato com o vírus, para saber se os casos da doença se concentram no grupo que recebeu o placebo – cenário que comprovaria a eficácia da vacina – ou se está dividido entre os dois grupos. A análise da eficácia também medirá sua ação na redução de casos graves.

O Instituto Butantan vai iniciar, em novembro, obras para a ampliação da capacidade de produção de vacinas
O Instituto Butantan vai iniciar, em novembro, obras para a ampliação da capacidade de produção de vacinas [Imagem: arianepergon]
A ChAdOx1 nCoV-19, conhecida como “vacina de Oxford”, também encontra-se na fase 3 de testes. Desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, trabalha com um vetor viral não replicante – um vírus modificado e que não consegue se reproduzir no corpo humano, mas conta com uma parte não infecciosa do Sars-Cov-2. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinou um acordo com o laboratório para a transferência de tecnologia e a produção da vacina, caso seja comprovada sua eficácia e segurança, e os estudos clínicos no Brasil são coordenados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

No último dia 15, um voluntário dos testes da vacina de Oxford, faleceu em decorrência de complicações da Covid-19. Segundo o presidente da Anvisa, os testes continuarão normalmente, uma vez que os dados da investigação realizada pelo Comitê Internacional de Avaliação de Segurança sugerem o prosseguimento do estudo. Em nota, a Anvisa reitera que “segundo regulamentos nacionais e internacionais de Boas Práticas Clínicas, os dados sobre voluntários de pesquisas clínicas devem ser mantidos em sigilo”.

A BNT 162, desenvolvida pela Pfizer e pela BioNTech, está também em fase 3 – estudo clínico de eficácia. Os testes no Brasil são coordenados pelo Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic) e pela Instituição Obras Sociais Irmã Dulce. O programa inclui quatro candidatos à vacina, com combinações diferentes de mRNA, e o estudo permite avaliar as variações do imunizante simultaneamente. Em meados de setembro, a Anvisa autorizou o aumento do número e da faixa etária dos voluntários brasileiros, contudo, ainda não há contrato ou intenção de compra assinados.

Já a Ad26.COV2.S, da Janssen-Cilag – braço farmacêutico da Johnson & Johnson – encontra-se em pausa. Ao contrário das outras candidatas, a imunização seria em dose única e os testes no país já haviam sido autorizados pela Anvisa. Todavia, após o aparecimento de uma doença inexplicada em um participante da pesquisa, a farmacêutica anunciou, no início da semana passada, uma pausa nos estudos. 

Anvisa considera aprovar vacina com 50% de eficácia
Anvisa considera aprovar vacina com 50% de eficácia [Imagem: Banco de Imagens/gov.br]
Apesar das controvérsias, a Sputnik V, do Instituto Gamaleya, já recebeu o registro provisório do Ministério da Saúde local e iniciou os estudos da fase 3. A vacina russa utiliza dois adenovírus humanos (AD5 e Ad26) em doses distintas – fator que teria permitido seu acelerado cronograma, uma vez que o patógeno já convive com os humanos há mais de 100 mil anos. Os primeiros dados sobre o imunizante, publicados na revista The Lancet, em setembro, mostraram uma eficácia de 100% do medicamento, mas foram contestados pela comunidade científica. Apesar das dúvidas, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) assinou, em agosto, um acordo com o Fundo de Investimento Direto da Rússia para a testagem da vacina no estado, que ainda espera o aval das autoridades de saúde.


Estratégias de Vacinação 

Recentemente, a cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, declarou que, possivelmente, jovens e pessoas comuns seriam vacinados apenas em 2022. A fala de Swaminathan vai de encontro com uma proposta de conscientização do povo quanto aos problemas relacionados à vacinação em massa. 

Além do desafio da produção das doses em grande escala, há também uma série de procedimentos a serem pensados até a imunização. É uma cadeia complexa, que envolve o licenciamento, o transporte, armazenamento e a distribuição até as unidades de saúde. Dário Pasche diz que, para que tudo isso ocorra, é preciso “direcionamento de recursos e tranquilidade de gestão, dois elementos que nos faltam nesse momento”, fazendo referência à politização das vacinas. 

Nesse contexto limitado, as doses que ficarem disponíveis serão direcionadas para aqueles grupos populacionais mais afetados, como já sugere alguns responsáveis. A OMS alega que quem receberá as vacinas primeiro serão, além daqueles que trabalham na linha de frente, os idosos e pessoas com doenças pré-existentes. Já no Estado de São Paulo, João Doria afirmou que, dentro desses grupos prioritários, os educadores também seriam incluídos.

Pasche comenta de uma outra perspectiva que também poderia ser adotada: “A gente deveria ter um foco em equidade, não é só uma questão epidemiológica. Quem tem morrido no Brasil são os negros, as populações indígenas”, complementa.

O programa de vacinação tem previsão para o primeiro semestre de 2021, pelo SUS
O programa de vacinação tem previsão para o primeiro semestre de 2021, pelo SUS [Imagem: Reprodução]
Enquanto a imunização não ocorre, o doutor alerta para a flexibilização dos cuidados e que a expectativa de uma vacinação pode fazer com que uma nova onda aconteça. “Já tem o negacionismo de muitas pessoas, parte importante da população, que está indo para rua, dizendo que isso é bobagem. Agora você imagina na perspectiva de uma vacina como isso pode se ampliar.”


A política na saúde

Na política brasileira, a obrigatoriedade da vacina tem virado pauta para discussões entre governantes. É a chamada “Guerra das Vacinas”, como foi apelidado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), a disputa entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), pela vacinação obrigatória ou não da população. A discussão também se dá pelo apoio à vacina Coronavac.

No final de setembro, Doria assinou contrato com a Sinovac e declarou que o Estado de São Paulo receberia 46 milhões de doses da vacina. O governador também vinha comentando que a vacinação contra a Covid-19 seria obrigatória, algo que o presidente já não concordava na época. 

Logo depois, no dia 16 de outubro, Doria declarou a medida que tornaria obrigatória a vacinação no estado, caso a vacina seja aprovada pela Anvisa. No mesmo dia, Bolsonaro comentou em suas redes sociais que “será o Ministério da Saúde [quem] irá oferecer a vacinação”, “sem impor ou tornar a vacinação obrigatória.”

 Print do Facebook do presidente da República, Jair Bolsonaro, comentando sobre a vacinação
Print do Facebook do presidente da República, Jair Bolsonaro, comentando sobre a vacinação [Imagem: Reprodução/Facebook]
Outro ponto da discussão é a escolha da vacina chinesa em detrimento de outras em desenvolvimento. Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse que não comprará a vacina da China, pois não acredita que ela passe segurança suficiente. Ainda comentou: “Tenho certeza que outras vacinas que estão em estudo poderão ser comprovadas cientificamente, não sei quando, pode durar anos”.

A frase foi dita depois do Ministério da Saúde anunciar na terça (20) que iria comprar 46 milhões de doses da CoronaVac. A atitude não teria sido aprovada previamente pelo presidente, o qual cancelou o protocolo de compra.

Pasche comenta que toda essa situação política que o Brasil enfrenta é, além de uma crise sanitária, uma crise política. “No fundo, nós temos uma crise sanitária, econômica, social, mas a crise que mais impacta hoje é uma crise política e é ela quem determina a ampliação dos problemas sociais e econômicos”, finaliza.

 

*Válido destacar que, apesar dos recentes avanços das vacinas, continua sendo extremamente necessário e recomendável o uso de máscaras e de álcool em gel, além do mantimento das medidas de distanciamento social.

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