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Amarelo no Azul: o mês da campanha contra o suicídio através do Twitter

No mês amarelo e no ano da pandemia do coronavírus, como fica a saúde mental dos brasileiros? Descubra neste texto da Jornalismo Júnior em parceria com a We Makers Brazil

Este texto é uma parceria entre a Jornalismo Júnior e a We Makers Brazil

No Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, 10 de setembro, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertou que a pandemia causada pelo coronavírus pode aumentar os fatores de risco para suicídio. A nova conjuntura e as incertezas trazidas por essa pandemia afetaram a saúde mental de grande parte dos brasileiros. Em uma pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), constatou-se que os casos de depressão haviam praticamente dobrado desde o início do isolamento social. Essa mesma pesquisa também mostrou que os casos de ansiedade e estresse chegaram a aumentar em 80% nesse período.

Quando falamos de saúde mental relacionada ao coronavírus, algo fica claro: apesar de todos estarem sujeitos a contrair a doença, o vírus não está afetando a vida de todos do mesmo modo. Nesse sentido, não é só o medo de contrair a covid-19 que abalou a saúde mental dos brasileiros. Ainda temos que levar em conta outros fatores — alguns consequentes, outros escancarados pelo contexto da pandemia — como a crise econômica, insegurança alimentar, o medo de não se adaptar às atividades remotas e também do desemprego.

Lidar com a morte de alguém, especialmente no período de isolamento social, tornou-se uma tarefa ainda mais difícil. “Ao deixar de olhar o corpo do ente querido e de se aproximar dele, o ser humano não opera o mecanismo de transformação e convencimento. É saudável que o indivíduo viva o luto, é essencial que as pessoas próximas validem esse sofrimento e não forcem uma superação precoce”, explica a psicóloga Joice Salamone — especialista em atendimento clínico de jovens e adultos.

 

Campanha do Setembro Amarelo no Brasil 

A partir de 2014, uma parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e  o Conselho Federal de Medicina (CFM) implementou a campanha “Setembro Amarelo”, com o objetivo de promover debates sobre suicídio e divulgar a importância de sua discussão.

Por meio de parcerias institucionais e públicas, a ABP dedica-se, durante esse período, a organizar informações sobre ações e eventos destinados à prevenção ao suicídio e, posteriormente, propaga-os pelo país. Além disso, as redes sociais são um importante cenário para o objetivo da iniciativa, devido à sua difusão em massa ter maior alcance nos meios virtuais.

No entanto, o mesmo espaço que serve como ferramenta para a finalidade principal, também atua como mecanismo potencializador de práticas de violência.  Em pesquisa realizada pela Instituto Ipsos, o Brasil é elencado como o segundo país com mais casos de cyberbullying no mundo, ao passo que dados da Safernet revelam mais de sete mil denúncias de crimes raciais na internet. Diante disso, como fica a discussão sobre saúde mental na web?

 

O que o Twitter nos mostra sobre o Setembro Amarelo?

De forma rápida e em poucos caracteres, já é possível descobrir o assunto do momento pelo Twitter. Segundo o relatório divulgado pela própria companhia, apesar de sua receita ter caído em 2020 — por conta da pandemia — foi registrado um crescimento recorde no número de usuários no segundo trimestre do ano: 34% a mais comparado ao ano passado.

Ao levar em conta a pandemia e a agilidade do aplicativo para nos manter atualizados, Joice alerta para o perigo da saturação das informações: destaca a importância de manter-se em contato com as tecnologias, para se informar e não perder vínculos afetivos, mas também reitera a necessidade de “fazer uma espécie de dietas das notícias, filtrando aquilo que é importante e se afastando de estar o tempo todo em contato com as informações”, pois isso ajuda a lidar com o estado emocional de alerta permanente.

Por sua grande quantidade de usuários, o Twitter é uma ferramenta em potencial para a análise de dados. Essas análises, feitas pelo R, uma linguagem de programação, são baseadas nas extrações das Interfaces de Programação do Aplicativo (APIs). Em outras palavras, as APIs permitem a extração de dados públicos disponibilizados pela plataforma. Vale ressaltar que, neste texto, utilizou-se a versão pública e gratuita da API do Twitter, que retorna de seis a nove dias de tweets, reduzindo o espaço de análise entre os dias 17 e 28 de setembro, já que os gráficos foram gerados entre os dia 26 e 28 do mesmo mês. Com a API em mãos, inicia-se o processo de Mineração do Texto, quando os padrões julgados interessantes são extraídos da base de dados. 

Nesse gráfico extraído em 26 de setembro, por exemplo, é possível analisar quais palavras mais aparecem quando se fala da campanha Setembro Amarelo. 

Gráfico de frequência dos termos relacionados ao Setembro Amarelo via API REST do Twitter [Imagem: R/ Aldrey Olegario]
Embora todas essas palavras colocadas no gráfico já contenham um sentido próprio, isso não significa que, nos tweets, elas tenham sido escritas com essa intenção. Para ver se uma palavra foi usada em seu sentido original ou em outro contexto, é necessário realizar um processo chamado de clusterização. Isso significa que serão agrupadas todas as palavras que foram usadas para expressar ideias semelhantes.

Clusterização – Dendograma dos termos frequentes relacionados ao Setembro Amarelo extraído em 26 de setembro via API REST do Twitter [Imagem: R/ Aldrey Olegario]
Em uma nova coleta de dados realizada na rede social, nota-se que as palavras mais frequentes mencionadas de janeiro a setembro de 2020 são quase sempre as mesmas. “Matar”, “hipocrisia” e “empatia” marcam presença durante o decorrer de todo o ano, mas isso não significa que é resultado da discussão assídua sobre o tema, mas sim, da falta dela. “Hipocrisia” e “empatia”, nesse contexto, remetem justamente a isso, uma vez que os usuários denunciam a contradição entre o discurso de “se colocar no lugar do outro” durante a campanha e ataques verbais posteriores ao fim do mês. 

 

Joice afirma que o trabalho centrado apenas em um único mês do ano afeta o objetivo da campanha e que ela deveria ser ampliada para uma política pública de saúde mental. “É um trabalho preventivo, pois até chegar no momento do suicídio, já havia depressão, solidão, um adolescente que não encontrava mais sentido em sua própria vida. Isso tudo é possível captar nos meios de convivência dos adolescentes e adultos, por meio de programas de acolhimento”, opina.

Visando minimizar esse cenário, a SAP, empresa alemã de softwares, ao lado da Amazon Web Services (AWS) lançaram o “Algoritmo da Vida”. Já na fase de protótipo, o sistema desenvolvido conseguiu avaliar 34 milhões de tweets. Dentro deles, foram identificados 1,3 mil perfis que registraram indícios de saúde mental fortemente prejudicada.

Com isso, a parceria encaminha os dados coletados a grupos voluntários de análise, os quais, por sua vez, enviam uma mensagem privada aos perfis de alto risco orientando a procura pelo Centro de Valorização da Vida (CVV). Diante da inovação, Joice conclui afirmando que as redes sociais podem ser prejudiciais ou benéficas a cada indivíduo,  dependendo do objetivo por trás de cada ação.

E como saber o que os usuários do Twitter estão sentindo a respeito da campanha? Isso também pode ser obtido por meio da API. O que se faz nesse momento é uma “análise de sentimentos”, isto é, é possível ver em um gráfico como as pessoas estão reagindo em uma rede social sobre um determinado tema. A análise de sentimentos através da linguagem R é feita por meio de um pacote chamado syuzhet, desenvolvido no Laboratório Literário de Nebraska. Suas funções calculam a presença de oito emoções diferentes e uma indicação de onde podemos ver se o texto, neste caso os tweets, apresenta mais sentimentos negativos ou positivos. Antes dos tweets serem rodados no gráfico, eles passam por uma tradução para o inglês para que os sentimentos sejam melhor identificados.

Ao se tratar de uma campanha cujo o tema é a prevenção do suicídio, ainda mais situando-se em um contexto pandêmico, isso certamente já dá alguns indícios de que os sentimentos negativos têm mais propensão a ficar em destaque.

Da esquerda para direita, tem-se os sentimentos: raiva, ansiedade, nojo, medo, alegria, tristeza, surpresa, confiança, negativo e positivo. Gráfico de Análise de Sentimentos extraído no dia 28 de setembro via API REST do Twitter [Imagem: R/ Aldrey Olegario]
Cabe então reparar que, entre os oito sentimentos, o medo é o mais recorrente. Isso se contrapõe a algumas concepções distorcidas de que a campanha é desnecessária ou não surte efeito, pois em uma situação na qual os sentimentos estão atrelados ao medo, a informação torna-se uma grande aliada. A psicóloga Joice também comenta a respeito dessas ideias distorcidas: “é necessário, ainda, quebrar estereótipos de que cuidar da saúde mental é coisa para gente ‘doida’, até estes termos são bastante inadequados e só trazem um viés preconceituoso. Cada caso é um caso, e merece o devido respeito e cuidado”.

 

Centro de Valorização da Vida (CVV) – 188

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