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Ditaduras latinas-americanas no cinema nacional: tempos que temos que lembrar

O cinema é memória  O filósofo Walter Benjamin defendia que o cinema mantém uma relação indissolúvel com a realidade, considerando-o arte. Diante da contemporaneidade que narra um saudosismo de um passado ditatorial, a obra cinematográfica é essencial para  compreender a partir da arte os regimes que se perduraram na América do Sul. Os governos autoritários …

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O cinema é memória

 O filósofo Walter Benjamin defendia que o cinema mantém uma relação indissolúvel com a realidade, considerando-o arte. Diante da contemporaneidade que narra um saudosismo de um passado ditatorial, a obra cinematográfica é essencial para  compreender a partir da arte os regimes que se perduraram na América do Sul.

Os governos autoritários latino americanos estiveram no poder entre os anos 1960 e 1980, sendo marcados por estarem inseridos em um contexto bipolar entre capitalismo e  socialismo das duas grandes potências da época, os Estado Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O Governo norte-americano tomado por um ego maior que seu próprio país encontrou na América do Sul o lugar perfeito para combater o comunismo e implantar os interesses capitalistas. Quem diria que tal façanha custaria tão caro para os latinos.

Os males dessa época são sentidos até hoje: a eliminação, repressão, morte e desaparecimento de políticos, estudantes, sindicalistas, intelectuais, crianças, opositores diretos ou qualquer cidadão que discordasse minimamente dos regimes impostos. 

Alexsandro Silva, mestre em História Social pela Universidade de São Paulo e pesquisador na área de cinema argumenta “sejam ficções ou documentários, falar sobre ditaduras ou regimes autoritários no cinema nacional é falar sobre uma disputa de memórias e também de projetos de nação’’.

Cinéfilos analisou alguns filmes nacionais, de cada país, que retratam esse período seja a partir de memórias ou de época.

 

Argentina

Avós da Praça de Maio [Foto: reprodução]
O país hermano possui uma longa trajetória de governos autoritários. A ditadura militar argentina alongou-se de 1976 a 1983. Mesmo depois de anos, é inegável que as feridas continuam abertas. Um dos pontos mais peculiar desse período foi o sumiço de crianças, gerando a perda de identidade. Diante de tal monstruosidade, nasceu a Associação Civil Avós da Praça de Maio que tem como objetivo resgatar e restituir  todas às crianças desaparecidas e roubadas para suas legítimas famílias, questão retrata no longa A História oficial (La Historia Oficial, 1985).

 

História oficial

 

O filme, dirigido pelo argentino Luis Puenzo, relembra a face perversa  e mais dura da ditadura argentina: o desaparecimento de pessoas, o roubo de crianças e o sofrimento de várias famílias. O longa se passa em Buenos Aires, em 1980, Alicia (Norma Aleandro) é uma professora conservadora de história casada com Roberto (Héctor Alterio) e mãe adotiva da Gaby (Analia Castro). A personagem é totalmente alheia à realidade argentina o que mudará após um encontro com uma velha amiga, levando-a a buscar pelas origens da pequena Gaby.

A pequena Gaby, Roberto e Alicia [Foto: reprodução]
Alexsandro retoma dizendo que o longa é referência em mostrar esse episódio da ditadura argentina, sendo premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1986, alavancando assim  o cinema do país. Ainda salienta do ponto histórico que a associação das avós da praça de maio está a frente de um movimento civil que rechaça a ditadura militar e repercute de modo tremendo em cada lugar da Argentina. 

Essa é uma narrativa dos que ganharam muito, enquantos outros perderam tudo. Roberto, marido de Alicia, é dirigente do regime e se dá muito bem na vida financeira e profissional, enquanto isso argentinos passam fome, trabalhadores e estudantes são perseguidos e somem do dia para noite, incluindo os bebês de mulheres grávidas  que são torturadas e mortas. Os bebês eram dados para militares e apoiadores do regime ditatorial, ignorando o fato que às mães dos pequenos eram mortas em solo argentino o que fez dos porões argentinos os matadouros.

 

Chile 

A ditadura chilena perdurou de 1973 a 1990, a comando do ditador Augusto Pinochet. Tendo as mesmas características dos demais regimes autoritários na América do Sul, apresentou algumas peculiaridades. O país foi palco da crueldade prisional que acometeu muitas mulheres. De acordo com a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura  de um total de 3.621 mulheres detidas, 3.399 foram estupradas pelos militares. A violação do corpo dessas mulheres foi seguida com a introdução de ratos nas vaginas e o uso de cachorros. Além disso, existia uma rede de pedofilia nazista no chile, questão retratada no filme Amor e Revolução (Colonia, 2015). 

Colônia Dignidade localizada no chile foi palco das mais diversas atrocidades do nazimos e da ditadura pinochetista [Foto: reprodução]

Colônia 

O filme, dirigido pelo cineasta alemão Florian Gallenberger, retrata os resquícios do nazismo no chile. O longa é narrado durante o início da ditadura chilena de 1973, contando uma história de amor e sofrimento de um casal alemão — a comissária de bordo Lena (Emma Watson) e Daniel (Daniel Brühl). O estudante Daniel, simpatizante de  Salvador Allende, é preso e levado a Colonia Dignidad (autodenomina-se um local de retiro, mas que na verdade é um campo de concentração e tortura de presos políticos da polícia chilena).

Lena e Daniel fotografando a repressão militar contra a população [Foto: reprodução]
A narrativa é baseada em fatos reais trazendo questões cruéis e perturbadoras. A Colonia Dignidad, pouco conhecida, foi fundada em 1961 por Paul Schäfer, alemão nazista que, assim como tantos outros, chegou ao chile se dizendo colono. O assentamento foi palco de pedofilia, tortura, tráfico de armas, escravidão entre tantas outras atrocidades que passou ignorada ao olhos do mundo e com o aval do regime de Pinochet. O filme é  a memória das vítimas desse sistema proporcionando uma reflexão acerca do sistema ditatorial que permeou silencioso no coração do território chileno, Santiago.   

Não bastava os longos de repressão vivido pelos chilenos. Augusto Pinochet buscava a sua legitimação. 

 

No

O longa No (2012) traz uma fotografia que relembra a época.Dirigido por Pedro Larrin, o filme perpassa os últimos anos da ditadura de Pinochet retratando a última jogada do ditador para continuar no poder por meio de um plebiscito, que acabou retirando-o do posto em 1988.

Frente a pressões internacionais Pinochet buscava legitimar seu governo por meio do voto. A película traz duas campanhas a do si (sim) que defendia a permanência do ditador e a do no (não) defendendo a sua retirada e a implantação da democracia.

O professor Alexsandro, enfatiza  que um regime autoritário legitimado visa ocultar às vozes incidentes e impor uma força monolítica. A legitimação de uma ditadura é um crime contra a humanidade e contra a subjetividade de cada indivíduo. 

 

Uruguai

A ditadura militar do uruguai deu-se de 1973 a 1985. Proibição dos partidos, a ilegalidade dos sindicatos, a censura à imprensa e a perseguição, prisão, desaparecimento, impunidade e assassinato de opositores forma constantes no país. São poucas às produções nacionais que falam desse período.

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, Torturado na ditadura uruguaia [Foto: reprodução]

A noite de 12 anos

A noite de 12 anos (La noche de 12 años, 2018), durante o período da ditadura Uruguaia (1973 – 1985), retrata a época em que José “Pepe” Mujica, ex-presidente uruguaio, e dois colegas guerrilheiros passam 12 anos confinados e submetidos a péssimas condições, a mando do ditador. 

Os três ficaram presos por 12 anos [Foto: reprodução]
Sendo a eles relegados a fala, água, luz e comida. A fotografia e a sonoplastia são tão verossímeis ao longo do desenvolvimento cinematográfico que, mesmo não vivendo no passado ditatorial uruguaio, a transferência para esse plano temporal é inevitável. Passando a sensação de estarmos confinados com os três. 

A imersão pode levar qualquer um a compartilhar a situação de restrição, perturbação mental e os momentos delirantes dos guerrilheiros políticos. E é nesse momento que a aura da arte se mistura com a vida do espectador. 

 No filme às individualidades não são aniquiladas, já que o diretor uruguaio Álvaro Brechner enfatiza que independente do lado político a preservação do indivíduo, que como todos possuem famílias e profissões. Outro ponto a se notar é a humanização que o diretor atribui a alguns militares, por exemplo, mostrar os problemas amorosos, atingindo, dessa forma, às emoções do telespectador.  

Alexsandro crítica alguns pontos do desenvolvimento. Em A noite de 12 anos se tem grande protagonismo dos presos políticos enquanto projetos de mudanças sociais do país são secundarizados. Sendo, portanto, uma questão a se pensar. 

 

Brasil  

No país, temas como a ditadura, muitas vezes, são tratados pelo viés conservador. Diferentemente do país hermano, Argentina, o estado brasileiro não puniu os envolvidos na ditadura militar que durou de 1964 a 1985. Atitude que comprova a violência como pilar de sustentação do Estado. Chega a ser uma aberração termos que explicar que a ditadura é algo ruim em pleno século 21. “Isso agride os direitos humanos e valida a nossa péssima formação cidadã” diz Alexsandro.

 

Batismo de Sangue

O filme Batismo de Sangue (2006) é um dos longas nacionais que retratam com fidelidade cinematográfica a opressão do sistema — a ditadura civil-militar. Dirigido por Helvécio Ratton e baseado na obra do Frei Betto, que viveu na própria pele as atrocidades dessa época, é uma narrativa de frades dominicanos. Oswaldo, Tito, Fernando, Ivo e o próprio Betto são ajudantes na Ação Libertadora que luta contra a ditadura ,na década de 60, liderado pelo guerrilheiro Carlos Marighella, símbolo de resistência e memória.

Os Frades dominicanos torturados na ditadura [Foto: reprodução]
As cenas estão submetidas a momentos horripilantes demonstrando a tortura institucionalizada pelos aparelhos repressivos. Os dominicanos são duramente torturados. O Frei |Tito, sem dúvida, é o mais marcado pela ditadura, exilado na França após uma negociação é a memória viva da saudade da sua terra.

Carlos Marighella morto pela ditadura brasileira [Foto: reprodução]

Cabra Marcado para Morrer

“Era uma país subdesenvolvido” “era um país a imagem da miséria contrastada com a presença do imperialismo “. O documentário Cabra marcado para morrer (1984), dirigido por Eduardo Coutinho, denúncia o algoz das minorias do sertão nordestino. Um retrato dos interesses dos latifundiários sobre  a terra. 

Esse recorte não é só uma questão de um passado remoto, mas do presente. As gravações   tiveram início em 1962, sendo lançado em 1984. O lançamento tardio deu-se às muitas censuras como apreensão do material a mando dos latifundiários locais e acatada pelas forças de repressão do estado da Paraíba.

Eduardo Coutinho conhecido por retratar em seus filmes pessoas comuns mostra nas filmagens a poesia do sertão nordestino e a dor marcada no rosto de cada um. O cenário conta com gravações de fatos reais e uma pequena filmagem produzidas durante o regime ditatorial.

Elisabeth Teixeira e seus filhos [Foto: reprodução]
O enfoque do filme são lutas travadas pelas ligas Camponesas que buscavam  a reforma agrária. Diante de muitas ocupações de terras originou-se a Associação de Lavradores e trabalhadores Agrícolas de Sapé fundada na Paraíba por João Pedro Teixeira, assassinado por defender os interesses e o direito do trabalhador. Problemática  corriqueira no Brasil diante dos assassinatos de líderes que defendem os direitos humanos.

Essa é a história de João Teixeira (morto em 1962), de Elisabeth Teixeira, e dos seus filhos, que, além de viver com a impunidade da justiça sobre a morte da personalidade, tiveram que fugir do seu pedaço de chão e esquecer seus verdadeiros nomes.  A ditadura legitimou e reprimiu os trabalhadores rurais em toda esfera de poder. A obra se faz necessária e contemporânea às problemáticas brasileiras. 

Os longas acima retratam em plano cinematográfico peculiaridades e memórias de cada ditadura de países da América Sul. Sem dúvida não existe uma ditadura melhor ou pior, todas sem exceção retiraram a liberdade, característica intrínseca ao ser humano, e o relega à clandestinidade. Essas produções nacionais são importantes por permitir o acesso e a construção de memórias, e entender problemáticas que se perpetuam ainda hoje. Às ditadura da Bolívia e do Peru não foram retratadas aqui por ter  escassas produções que falem sobre isso.

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