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Impressões digitais: dos seus dedos até a investigação forense

Todos nós já conhecemos de alguma forma a grande utilidade das impressões digitais para a sociedade. Provavelmente já vimos filmes policiais em que elas são uma peça determinante para encontrar o autor de um crime; e certamente já vimos essas impressões nas nossas carteiras de identidade e outros documentos oficiais, identificando a quem eles pertencem. …

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Todos nós já conhecemos de alguma forma a grande utilidade das impressões digitais para a sociedade. Provavelmente já vimos filmes policiais em que elas são uma peça determinante para encontrar o autor de um crime; e certamente já vimos essas impressões nas nossas carteiras de identidade e outros documentos oficiais, identificando a quem eles pertencem. Por mais conhecida que seja sua aplicação prática, a ciência e técnica envolvida por trás deste método de reconhecimento é ainda mais interessante.

Em primeiro lugar, precisamos saber o que são essas impressões: são marcas de gordura e outros detritos da pele (como células mortas) deixadas para trás por nossos dedos, palmas das mãos e até mesmo solas dos pés. Quando são feitas pelos dedos, podem ser chamadas de impressões digitais. Nossa pele é composta por diversas camadas, com diferentes composições e espessuras. A camada mais externa, nas regiões mencionadas, possui pequenas linhas curvas, formando desenhos que podem ser vistos a olho nu, caso as condições de iluminação sejam favoráveis. A nossa pele possui gordura em toda sua superfície, em concentrações diferentes, mas apenas essas regiões da pele deixam digitais. Isso ocorre porque somente essas partes possuem esses desenhos, que ficam registrados quando tocamos em algum objetivo, como se nossos dedos fossem carimbos e a gordura cutânea fosse tinta.

Geralmente é difícil ver essas marcas de gordura deixadas para trás por nossos dedos, mas podemos observá-las em vidros e nas telas de celulares limpas, por exemplo. Porém, o que torna as impressões especiais não é o modo como se formam, mas sim os desenhos propriamente ditos, que vão corresponder aos de nossos dedos. Eles são formados quando ainda estamos no útero e inúmeros fatores influenciam em como esse desenho será constituído, fazendo com que seja estatisticamente impossível que dois sejam iguais. Dessa forma, quando deixamos uma impressão digital ou palmar (das mãos e solas dos pés) para trás, sabemos, ao comparar, que pertencem necessariamente a uma pessoa só, ajudando em soluções de crimes e na identificação humana em geral, como nos RGs.

Como estamos usando a todo momento as mãos para pegar objetos, deixamos essas impressões por todo lado, tornando seu estudo ainda mais útil para a investigação forense, área da ciência que trabalha tanto para identificar pessoas como para solucionar crimes.

O profissional especialista em impressões chama-se perito papiloscopista e seu trabalho pode ser bastante abrangente: coleta impressões em campo, as revela em laboratório e também faz o trabalho de análise comparativa, arquivação e determinar a quem uma impressão pertence. O trabalho do profissional é essencial para fazer essa identificação, e há liberdade suficiente para que diversos métodos sejam utilizados para se chegar ao resultado.

O primeiro passo na investigação forense começa na cena do crime, com a coleta do material que será posteriormente analisado. Segundo o perito-policial papiloscopista formado pela Acadepol (Academia de Polícia – SP) José Eduardo Márcico, é extremamente importante que a cena do crime esteja preservada do modo como ficou depois do delito: “Quanto mais intacto estiver o local, maiores serão as chances de sucesso na coleta de impressões”. Isso é importante porque as impressões digitais geralmente são encontradas em superfícies lisas e limpas, em que o desenho é mais distinguível e mais claro, possibilitando mais análise.

Essa preservação e isolamento do local do crime também é importante, já que “todo e qualquer acontecimento que modifique o desenho da impressão digital, atrapalha sua identificação”, ou seja, em casos nos quais as impressões do criminoso são sobrepostas com outras impressões, a análise pode ser impossível e a evidência é perdida. É por isso que muitos investigadores utilizam luvas e tomam bastante cuidado ao passar as mão pela cena.

O perito comenta que “o fator tempo pode ser determinante para o sucesso dos trabalhos”. Isso pois as impressões são formadas por gordura, um resíduo orgânico que, em certas condições, pode se degradar rapidamente, deixando as marcas menos visíveis ou até mesmo perdendo-as por completo. Apesar disso, Márcico faz uma ressalva: “há casos em que uma impressão poderá ser revelada após anos depois de impressa, vai depender das variáveis, que vão desde clima, material em que formou a impressão, local de preservação, tipo de suporte etc”.

No local do crime propriamente, encontrar as impressões podem ser um desafio, já que elas não são visíveis a olho nu. Por isso, o perito deve ter a destreza e a experiência para retraçar os passos do criminoso e estipular em quais objetos ele pode ter tocado e deixado marcas. Nessa etapa, ele usa sua imaginação, remontando como ocorreu o delito, sendo que relatos de testemunhas, vítimas e filmagens são bastante úteis para orientar essa procura.

Quando o perito acredita que pode haver uma impressão em algum objeto, ele faz a análise da superfície para decidir qual substância irá usar para tornar aquela marca mais visível. A substância aplicada sobre a impressão varia de acordo com a superfície e a técnica do perito, buscando sempre preservar o máximo possível do desenho. Ela é chamada de produto revelador e pode ser um pó de cor escura extremamente fino, que adere à gordura que forma a impressão, cobrindo-a e a tornando visível. De forma geral, essas substâncias são lipofílicas (“amigas” da gordura), ou seja, materiais que aderem ou se misturam com a gordura transparente da pele, colorindo-a para que o desenho possa ser visto.

Em alguns casos é possível remover o objeto com a marca e levá-lo para um laboratório, “onde [o perito] terá maiores recursos para obter sucesso na revelação das impressões”. Quando isso não é possível, a impressão deve ser registrada (scanner fotográfico) para que a imagem seja analisada e usada na comparação. Os procedimentos específicos de procura variam entre profissionais, mas estes são os principais passos adotados. Uma vez que a impressão chega ao laboratório, a análise começa.

Ao longo da história da papiloscopia, diversos métodos foram utilizados para comparar as impressões e determinar se elas pertencem ou não a um mesmo indivíduo. O procedimento atual pode variar entre peritos, mas o que se busca é que todas as características das impressões sendo comparadas correspondam.

Antes de entender como é feita essa análise, é preciso entender um pouco sobre como os desenhos que possuímos nos dedos se formam. A pele é dividida em diversas camadas: a mais interna é hipoderme, que faz a conexão entre a pele e os órgãos internos do corpo, possuindo grande quantidade de gordura. A derme é a do meio, mais extensa, onde se localizam glândulas sudoríparas e nervos para o tato. A externa é a epiderme, com células mortas em seu topo e contém diversas secreções das camadas mais internas em sua superfície, entre elas estão a gordura. Essa gordura e células mortas serão deixadas para trás quando tocarmos em algo, formando as impressões.

Apesar de toda a epiderme deixar para trás gordura e células mortas quando tocamos em algo, somente algumas partes do nosso corpo deixam impressões úteis. Isso porque a maior parte da pele não tem os desenhos que nossas mãos e pés possuem, deixando somente manchas indistinguíveis e inúteis na análise. Esses desenhos nessas partes do corpo são formados onde a pele é mais fina durante o desenvolvimento do feto, ainda no útero. Essa pele fina tende a “enrugar” (processo diferente do que acontece quando ficamos no banho muito tempo), formando partes mais elevadas e partes mais profundas. Essas são as papilas. Em sua formação, elas são afetadas por inúmeros fatores, como a posição do bebê, a composição do líquido que as envolve, a pulsação sanguínea, seus movimentos e até mesmo a gravidade.

Justamente porque inúmeros fatores participam dessa formação que o número de impressões possíveis é tão grande, tornando virtualmente impossível que essas condições sejam idênticas em duas pessoas, resultando, assim, em desenhos diferentes para cada um. Até mesmo em gêmeos univitelinos (idênticos) as impressões são diferentes, já que as condições no útero não são as mesmas, mesmo com um feto do lado do outro. Distinção essa que nem a análise de DNA pode fazer, já que os eles se originaram da divisão de um mesmo embrião, com um mesmo DNA. E as vantagens deste tipo de análise em relação a esta outra técnica forense não param por aí.

Segundo Márcico, o treinamento do perito é mais barato, a técnica é mais rápida e prática, necessitando de menos equipamento laboratorial (algo importante para investigações em cidades menores), sem contar que encontrar digitais em cenas de crime é algo muito mais comum do que encontrar DNA utilizável, já que este necessita que o indivíduo deixe para trás pedaços de tecidos ou fluidos corporais, enquanto as impressões ficam para trás apenas tocando em objetos, sendo menos visíveis e, assim, mais difíceis de encontrar e remover.

Apesar desses muitos fatores que influenciam na formação do desenho dos dedos, eles ainda sim mantém alguns padrões, marcas gerais que podem ser úteis para a classificação das digitais. Com base nestes “padrões”, os peritos podem determinar ‘pontos coincidentes’, partes de uma digital que se diferenciam do padrão da mesma forma que outra digital. Depois de um certo número de pontos, é possível afirmar com um grande nível de certeza que as impressões digitais são correspondentes, de uma mesma pessoa. Segundo Márcico, o método adotado no Brasil geralmente é encontrar 12 pontos coincidentes, mas isso pode variar, já que dependendo da qualidade das impressões e da experiência do perito, é possível usar menos pontos e ainda encontrar correspondências, usando, até mesmo, somente parte de uma digital. Quanto mais características são identificadas e comparadas, maior é a qualidade da comparação; é uma questão estatística, o número de possibilidades de impressões ultrapassa em muito o número de pessoas que vivem e já viveram durante toda a história da humanidade (e esse número de possibilidades pode ficar ainda maior quando aumentamos a qualidade de análise e as características levadas em consideração).

Esta análise não é como comparar fotos, vai muito além na precisão, certeza e pontos de referência levados em consideração. Nas palavras de Márcico: “Quando comparamos uma foto com outra, geralmente olhamos o conjunto e corremos o risco de falso positivo ou negativo, dependendo da distância temporal de uma foto para a outra.” E continua, ressaltando o poder da papiloscopia: “Quanto às impressões, a distância temporal, embora afete um pouco as imagens, não se torna nenhum empecilho, visto que, o que irá identificar as semelhanças entre a as digitais, são os pontos identificadores, os quais, na visão do perito papiloscopista, não se alteram com o tempo”.

Isso ressalta também outra característica muito útil da papiloscopia: as marcas, do ponto de vista técnico, não se alteram com o tempo, possibilitando identificar alguém mesmo após anos dele ter deixado a impressão. Essas características dão permanência e qualidade à investigação da papiloscopia, fazendo evidências dessa área serem muito aceitas em tribunais e possuírem grande peso na decisão.

Por fim, para encontrar o autor de um crime, é preciso comparar a impressão deixada para trás com a do dedo dele, a partir dos critérios ditos acima. Essa etapa é importante, já que sem possuir a impressão do criminoso (se ele for foragido, por exemplo), não é possível acusá-lo. Tendo isso em mente, diversos países criaram bancos de dados, armazenando impressões digitais de criminosos para fazer uma comparação, caso cometam novos crimes. Isso criou um desafio para diversos profissionais da engenharia da computação e organização de dados, já que não é viável comparar as impressões cegamente quando um banco de dados possui milhares delas. Por isso, criou-se um modo de transformar as imagens da impressão em informação, baseado em pontos de referência (como os pontos de coincidência). Assim, esses bancos de dados passam ter um mecanismo de pesquisa, procurando impressões com características semelhantes (mas o decreto final é sempre do perito, já que mesmo os bancos de melhor qualidade não se comparam com a análise aprofundada do papiloscopista, capaz de “enxergar” muito mais diferenças e/ou semelhanças).

O banco de dados mais famoso é o do Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA, sendo muito extenso e contendo as impressões de criminosos coletadas durante décadas, facilitando muitas investigações. Se está preocupado que sua impressão esteja neste banco, a lei brasileira não permite coleta e armazenamento sem um mandado ou como parte de uma investigação criminal! O Brasil também possui um banco e método de arquivamento, mas este é mais recente e, portanto, não é tão abrangente quanto o estadunidense. Até hoje foi implementado em apenas alguns estados, iniciando em São Paulo.

Essa ferramenta é o Automated Fingerprint Identification System (AFIS), extremamente útil, prometendo ajudar a resolver muitos crimes no Brasil, especialmente se for amplamente implementada. Márcico também chama atenção para o fato de que a ferramenta sozinha não é suficiente, o governo também deve investir em formar e remunerar devidamente o papiloscopista, já que em nada adianta a ferramenta se não tiver quem colete as impressões e as utilize.

Como se pode ver, o uso de impressões digitais na área forense é extenso e importante, mas não se limita a isso. O seu uso em documentação é essencial para evitar fraudes (geralmente se utiliza a impressão digital do polegar direito, mas isso é apenas uma questão de rapidez e padronização!), sem falar no uso moderno com scanners para permitir o acesso a contas bancárias e celulares. Enfim, seja qual for o uso dado a essas marcas, elas revelam o engenho humano de usar uma característica da nossa própria biologia como um meio de mostrar quem somos e no que já tocamos!

Fontes:

Sobre camadas da pele, método investigativo e armazenamento: http://www.papiloscopia.com.br (site de José Eduardo Márcico)

Sobre origem das impressões e probabilidades: https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=S7cp0acRY2s (Por que a impressão digital de cada pessoa é diferente?)

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