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A ciência em Stranger Things

Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)   Uma cidade do interior dos Estados Unidos. Uma vibe anos 80. Uma série com crianças pré-adolescentes. Às vezes, o nariz de uma delas sangra. Muito Dungeons & Dragons. Um desaparecimento. O nome Stranger Things já se consagrou na cultura pop e no mundo da ficção científica. A proposta jovial, …

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Imagem: Gabriel Bastos/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)

 

Uma cidade do interior dos Estados Unidos. Uma vibe anos 80. Uma série com crianças pré-adolescentes. Às vezes, o nariz de uma delas sangra. Muito Dungeons & Dragons. Um desaparecimento.

O nome Stranger Things já se consagrou na cultura pop e no mundo da ficção científica. A proposta jovial, divertida e misteriosa da série atrai uma ampla gama de espectadores, desde aqueles que têm a idade dos personagens até os que já teriam idade para serem seus pais.

Dentre múltiplas referências dentro da série — alô, anos 80! —, a produção de 2016 da Netflix chama atenção também pela ciência envolvida no enredo. A curiosidade de meninos de 11 anos somada a um professor entusiasta é a fórmula perfeita da ficção científica que pretende ser intrigante e, ao mesmo tempo, cativante. Afinal, assim como Mike, Dustin, Lucas, Will e Eleven, o espectador também quer entender todas essas coisas estranhas que estão acontecendo em Hawkins.

 

Fonte: Reprodução

O Mundo Invertido é um dos elementos que causa maior fascínio. Uma dimensão paralela? Um universo completamente diferente? Uma criação fantasmagórica? Para entender melhor exatamente o que é esse outro mundo, o Laboratório conversou com o professor Diego Trancanelli, do Instituto de Física da USP (IF).

“Multiversos são cópias de universos que podem ter várias características diferentes e inúmeras dimensões. Agora, dimensão paralela — que é um termo da ficção científica — indicaria um universo paralelo que tenha o mesmo número de dimensões.” No caso de Stranger Things, o Mundo Invertido seria uma dimensão paralela, pois tem as mesmas características do nosso mundo: três dimensões espaciais (altura, largura e espessura) mais o tempo. A sorte é que nosso mundo está desprovido de dart’s e demogorgons.

O estudo de dimensões paralelas ainda é muito teórico. A hipótese mais estudada hoje em dia é a Teoria das Cordas, que surgiu com o objetivo de explicar os fenômenos da natureza em uma estrutura matemática unificada. O professor do IF exemplifica: “Na Teoria de Cordas, tem o chamado landscape. Podemos imaginar uma paisagem de soluções, onde há montanha e vales. As soluções seriam todos os pontos de vale nesse cenário.” De acordo com tal explicação, cada vale representaria um universo com características diferentes.

Um desses aspectos que podem diferir de uma solução para a outra é a taxa de expansão do universo. A Física ainda não consegue explicar por que o Universo está expandindo com essa taxa. Dentro de tantas incertezas, um fato é certo, como menciona Diego Trancanelli: “É interessante que esse é o valor certo para poder ter a formação de galáxias, de estrelas, de planetas e de vida em si”.

As formas de vida são a principal diferença entre os dois mundos de Stranger Things. Há, também, a questão da luminosidade em cada um dos ambientes: um é claro e outro, escuro. Para Trancanelli, isso torna-se uma questão filosófica na série que faz alusão à dicotomia entre o bem e o mal.

O entusiasmado Mr. Clarke explicando sobre a possibilidade de haver dimensões paralelas. Fonte: Reprodução

Na própria série, há uma tentativa de explicação científica para o que está acontecendo em Hawkins. No episódio chamado “A Pulga e o Equilibrista”, Mr. Clarke, professor de matemática da turma, fala sobre a interpretação de muitos mundos de Hugh Everett. Ela é baseada numa interpretação da Mecânica Quântica controversa e que não é aceita universalmente. Por isso, talvez, não seria a melhor explicação os fenômenos que envolvem o desaparecimento de Will.

Pensando ainda na Teoria de Cordas, o docente do IF exemplifica os acontecimentos de Stranger Things a partir do conceito de membranas. Em linhas gerais, uma membrana seria uma fatia do espaço-tempo onde, por exemplo, nós habitamos. No contexto do seriado, ela foi inserida em um espaço com mais dimensões, no qual também está o Mundo Invertido, outra membrana. Elas não estão conectadas inicialmente, mas após os experimentos no Departamento de Energia de Hawkins, uma dimensão extra transversal foi criada e passou a funcionar como um portal.

Desenho feito pelo professor Diego Trancanelli para explicar o conceito de membranas e a dimensão transversal que serviria como portal. Foto: Maria Eduarda Nogueira

“Com a energia muito alta de um experimento no laboratório, eles conseguiram abrir um portal, que poderia ser um buraco de minhoca conectando os dois universos, permitindo de fato o transporte ao longo dessa dimensão extra”, explica o professor.

A ideia de buracos de minhocas surgiu com a Teoria da Relatividade de Einstein e seriam teoricamente realizáveis. Porém, na prática, sua realização física não é muito plausível. As condições necessárias não são ordinárias e, portanto, impossíveis no momento atual. Trancanelli explica: “Quando você está nesse buraco de minhoca, existem fossas tais que deixam você tão esticado ou tão comprimido que, de fato, seria impossível atravessar e sobreviver.”

Para poder explorar o Mundo Invertido, seria preciso muita energia, uma mensagem transmitida pelo seriado. Então, se você esperava adotar um Dart assim como o Dustin, terá que se contentar com um parente distante, a salamandra gigante Cryptobranchus alleganiensis:

Fonte: Jimmy Hartley

Além de Física, Stranger Things também aborda a Psicologia, ou melhor, a Parapsicologia, que corre “à margem” e busca estudar fenômenos não tão relacionados à Psicologia stricto sensu. Um exemplo? Habilidades paranormais, como a percepção extrassensorial e a psicocinese. Isso lembra alguma personagem da série?

Com ocasionais sangramentos no nariz, Eleven (“Onze”, na tradução) é uma personagem ainda misteriosa na produção, mesmo depois de duas temporadas. Os experimentos feitos com ela e suas capacidades extra-humanas são elementos que contribuem para esse mistério. Mas, afinal, o que exatamente acontecia no Departamento de Energia de Hawkins? O que Eleven é capaz de fazer? O quão real é isso no mundo não fictício? O pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, Leonardo Martins, conversou com o Laboratório e desvendou esse mistério.

Fonte: Reprodução

Antes de conhecer Mike, Dustin e Lucas, e assustá-los com seu comportamento estranho, Eleven passou por uma série de experimentos psíquicos. “São experimentos que tentam verificar a eventual existência de capacidades humanas não explicáveis pelo que já sabemos do cérebro e do funcionamento psicológico humano”, explica o pesquisador.

No contexto da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética passaram a realizar experimentos como esses. Os cientistas tinham interesse em detectar capacidades como clarividência, percepção extrassensorial e psicocinese e usá-las para fins militares e de espionagem.

O pesquisador Leonardo Martins cita o Projeto Stargate, da DIA (Agência de Inteligência da Defesa, tradução livre), como o mais próximo do que ocorre na série. Esse era um black project — um projeto secreto e escondido da sociedade civil — que ocorria em dependências semelhantes ao do Depto. de Energia de Hawkins. “Em 1978, nos Estados Unidos, eles abriram o Stargate, que tinha a intenção de verificar principalmente a percepção extrassensorial para a espionagem à distância.”

Projetos como esse foram estimulados por certos fenômenos da década de 1970. O mais célebre é o do suposto paranormal Uri Geller, que conseguia entortar garfos com o olhar e ler a mente das pessoas, aparentemente. O pesquisador explica que a partir desse momento, órgãos do governo americano começaram a se interessar por essas habilidades, almejando sempre fins militares. O quão proveitoso seria saber o que estão fazendo os principais líderes da inteligência russa?

Na União Soviética, a Parapsicologia era muito respeitada, especialmente nos anos 60. Os experimentos com outra suposta paranormal, Nina Kulagina, impressionaram a sociedade da época. No entanto, não foi feita uma verificação independente, o que causou danos à credibilidade.

O pesquisador menciona que essa incerteza é confirmada por algumas iniciativas, como a do cético americano James Randi, mágico profissional e debunker — profissional especializado em desacreditar paranormais, que foi até a URSS tentar ter acesso aos experimentos feitos com Nina Kulagina. Não conseguiu. E gerou dúvida para todo mundo.

Randi se dedicou durante muito tempo a combater a falsidade de videntes e paranormais. Em 2007, ele foi ao TED fazer uma palestra sobre seu trabalho. Através de exemplos divertidos, o conjurador — como ele se denomina — nos deixa, no mínimo, um pouco mais céticos. Confira a palestra:

Com a queda da URSS, muitos estudiosos se mudaram para os EUA, onde relataram o que acontecia nos black projects soviéticos. O rumor era de que os resultados tinham sido incríveis, o que gera a pergunta: até que ponto isso não foi propaganda?

A prática estadunidense de importar cérebros era famosa desde o fim da Segunda Guerra. Segundo Leonardo Martins, isso acabou influenciando também a ficção científica, que explora bastante o estereótipo do cientista estrangeiro.

Historicamente, a Parapsicologia começou a ganhar notoriedade ainda no século 19. Em 1882, foi fundada em Londres a Sociedade de Pesquisas Psíquicas, que reunia intelectuais tentando investigar a paranormalidade e mediunidade. Nos anos 1930, o casal Rhine fundou o primeiro grande laboratório de Parapsicologia, que adquiriu uma carga mais científica. A proposta envolvia um estudo experimental controlado, impedindo que supostos paranormais demonstrassem suas habilidades através de farsas e manipulações. “Nós devemos vários aspectos do método científico atual à pesquisa parapsicológica”, menciona o pesquisador do Instituto de Psicologia.

Eleven no tanque de privação sensorial. Fonte: Reprodução

Como vemos nos flashbacks de Stranger Things, a experiência de Eleven no Depto. de Energia sob o controle do Doutor Brenner não foi exatamente prazerosa. Além de ser manipulada emocionalmente, ela era submetida a condições extremas, para que pudesse “ativar seus poderes”. O exemplo mais marcante é o tanque de privação sensorial.

Há conhecimento de experimentos com essa técnica na época, mas segundo Leonardo Martins, o modo de execução não é muito conhecido. Afinal, se tratavam de black projects e as informações eram escassas. “Sabemos que pesquisas em geral nas décadas passadas respeitavam muito pouco o conforto das pessoas. Hoje, ainda fazemos isso de privação sensorial, mas de uma forma extremamente mais humanizada.”

A Parapsicologia atual acredita que, se houver a possibilidade de pessoas manifestarem habilidades extra-humanas, isso acontecerá com maior probabilidade se elas estiverem em um estado mental relaxado e concentrado. Um método muito utilizado atualmente é o de Ganzfield, em que o sujeito usa óculos vedados e fones de ouvido, com um ruído branco (um chiado constante em volume agradável, que gera sensação de isolamento acústico) por trás. Bem diferente do tanque com sal a que Eleven foi submetida, certo?

“As sensações dos experimentos de isolamento sensorial são bem diferentes do que se vê na série. Na série, é angustiante, claustrofóbico”, diz o pesquisador, que atribui essa angústia à questão dramática da série — o caráter manipulador do cientista Brenner e o fato de uma criança ter sido usada como cobaia.

Esse estereótipo do cientista antiético, no entanto, é bastante combatida no meio. Afinal, algumas produções televisivas podem dar uma impressão errada para o público. Leonardo Martins diz que, nas pesquisas, as condições são as mais confortáveis possíveis e a participação é mediante um termo de consentimento.

Fonte: Reprodução

A ciência pulsa de Stranger Things, como podemos ver. Produções culturais como essa devem ser admiradas, pois não apenas servem para o entretenimento do espectador, mas para sua formação intelectual.

A nova temporada, que será lançada em 2019, certamente trará mais mistérios, dúvidas, aventuras, eggos, e, é claro, muita ciência para explorarmos!

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