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Vegetarianismo: vilão ou mocinho?

Por Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br) O movimento vegetariano vem crescendo no Brasil e no mundo. Seja por preocupação com os animais, com a saúde, com o meio ambiente ou com o corpo, os vegetarianos já representam cerca de 8% da população brasileira, de acordo com o World Atlas. Decorrente disso, muitas teorias especulam benefícios e malefícios …

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Por Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br)
Imagem: Matheus Oliveira – Comunicação Visual/Jornalismo Júnior

O movimento vegetariano vem crescendo no Brasil e no mundo. Seja por preocupação com os animais, com a saúde, com o meio ambiente ou com o corpo, os vegetarianos já representam cerca de 8% da população brasileira, de acordo com o World Atlas. Decorrente disso, muitas teorias especulam benefícios e malefícios dessa prática alimentar na vida dos indivíduos.

 

O que é o vegetarianismo?

Considerado na década de 1940 como “coisa de hippie”, hoje o movimento mudou e depois da contracultura dos anos 1960 passou a ser considerado uma opção saudável de alimentação. Por isso, antes de se aprofundar no tema é necessário entender o que é o vegetarianismo e quais são suas vertentes.

De acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira, vegetarianismo é o regime alimentar que exclui todos os tipos de carne da dieta, não necessariamente excluindo outros derivados de animais. Ele pode ser dividido em quatro vertentes diferentes:

  1. Ovolactovegetarianismo: é aquele no qual os indivíduos continuam se alimentando de ovos, leite e seus derivados (queijos, iogurtes, leite condensado, doce de leite).
  2. Lactovegetarianismo: utiliza leite e derivados na alimentação.
  3. Ovovegetarianismo: mantém os ovos na alimentação.
  4. Vegetarianismo estrito ou veganismo: não se alimenta de nenhum produto de origem animal (ovos, leite, carne, mel). Alguns chegando a não usar produtos de origem animal em hipótese alguma (seda, plástico, alguns produtos de cosmético).

 

Por que as pessoas se tornam vegetarianas?

  • Questões éticas

Esse é o motivo que mais se ouve por aí quando um amigo se torna vegetariano. O ser humano usa em sua alimentação bovinos, suínos e aves (em especial frango) como principal fonte de carne, mas esses animais podem ser comparados aos bichinhos de estimação que a maioria das pessoa tem em casa. Considerados sencientes, eles são capazes de sentir prazer e sofrimento assim como todos os outros animais.

No entanto, não é assim que eles são tratados nos locais de criação. Apesar de ser um pouco melhor que outras formas de criação, o modo extensivo ao qual bovinos são submetidos não é só flores. No final do processo, esses animais são confinados para que sua alimentação seja melhor controlada e assim ocorra a engorda mais rápida.

Nas granjas, por exemplo, os frangos permanecem cerca de 40 dias em processo de engorda intensiva, sendo alimentados com uma ração preestabelecida para que eles atinjam 2,5 quilos e sejam abatidos o mais rápido possível. Durante esse período, muitos dos animais por vezes perdem a capacidade de se locomover decorrente tanto do aumento acelerado do seu peso em relação ao seu esqueleto, quanto da superlotação desses espaços. Boa parte dos porcos também são criados dessa forma.

Ao comprar a carne no mercado, por vezes nos deparamos com bifes que estão lindos na bandeja, mas ao serem colocados na frigideira perdem e muito o seu tamanho. Isso ocorre porque durante o processo de engorda rápida esses animais consomem muito sódio, o que faz com que eles retenham líquido.

Galinhas que são criadas para a produção de ovos são ainda mais maltratadas. Elas ficam confinadas em gaiolas pouco maior que seus corpos por cerca de 18 meses sem conseguir esticar as pernas, ou as asas. O mesmo ocorre com porcas reprodutoras.

A produção industrial de leite também é feita de maneira cruel. Apesar de ter como destino final o abatedouro, as vacas não são criadas soltas em um pasto de maneira extensiva. Elas passam a maior parte do dia confinadas a um espaço pequeno enquanto o leite é extraído de forma mecanizada. Além disso, para a produção constante de leite elas são inseminadas artificialmente e seus filhotes são levados para longe delas apenas dois dias depois de serem concebidos.

Quem já teve a oportunidade de presenciar o abate desses animais sabe a dor e o sofrimento que lhes é causado no momento da morte por mais “humanizado” que seja o processo. É difícil acreditar em humanidade ao ver aqueles pobres animais aos berros, enquanto um ser humano o assassina a sangue frio. Esse pensamento é compartilhado por muitos. Por isso a escolha vegetariana é não compactuar com a confinação, exploração e abate desses animais que, assim como nós, são capazes de sentir.

As questões éticas abrangem não só os animais mas os seres humanos responsáveis por eles também. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 80% do trabalho escravo mundial vem da pecuária. O que acreditamos ser algo de séculos atrás ainda está presente na nossa sociedade. As fazendas costumam prender as pessoas alegando dívidas intermináveis, e assim elas são forçadas a trabalhar em condições sub- humanas e em uma situação análoga à escravidão.

 

  • Sustentabilidade

Uma das práticas mais comuns para a criação de animais é o desmatamento. Isso causa erosão do solo, perda de fauna e flora, desertificação, redução da biodiversidade e dos nutrientes do solo.

Além disso, na pecuária, a intensa deslocação de rebanhos faz com que haja a compactação do solo. O biólogo Sérgio Greif, especialista em gerenciamento ambiental e mestre em alimentos e nutrição, afirma que “o superpastoreio evita a rebrota. O solo fica nu. O vento e a chuva causam erosão. Como o solo está compactado a água não rebrota. Esse é o processo de desertificação, então dificilmente ali voltará a ser como era antes de se desmatar para colocar o rebanho”. Saber que 75% da área correspondente à Amazônia Legal é destinada a essa atividade é preocupante, pois a segunda maior mata brasileira foi desmatada para uma atividade que não permite que a floresta original seja recuperada.

Os problemas não param por aí, os bovinos são responsáveis pelo lançamento de 56kg/ano de gás metano (CH4) na atmosfera. Esse gás do efeito estufa consegue ser 21 vezes pior que o gás carbônico (CO2).

Existem cerca de 107 a 207 milhões de cabeças de gado no Brasil. Para alimentar esses animais, cerca de 97% do farelo de soja e 60% do milho produzidos globalmente são destinados a granjas e fazendas.

“Quando você come carne, um alqueire serve para alimentar 0,8 pessoas durante um ano, baseado na dieta de 2500 calorias por dia. Se pegarmos esse mesmo espaço e plantar de arroz, por exemplo, é possível alimentar 27 pessoas”, diz Greif.

A explicação dessa teoria é muito simples, e vem de uma coisa que estudamos enquanto crianças: as pirâmides tróficas ou ecológicas. As pirâmides ecológicas são representações gráficas do fluxo de energia e matéria nos ecossistemas e podem ser divididas em três grupos: as de número, biomassa e energia.

Dentre eles a mais importante para a explicação é a de energia, representando sua quantidade em cada nível trófico. Os produtores sempre possuirão um nível energético acima dos demais, pois eles fazem fotossíntese, obtendo energia diretamente da luz solar.

As plantas são produtoras e ocupam o primeiro nível trófico da cadeia alimentar, parte da energia produzida por ela é  gasta em seus processos metabólicos, o restante é passado para o seguinte nível trófico (aquele que se alimenta da planta), ou seja, os herbívoros.

Quando se coloca o animal entre o ser humano e a espécie vegeta, o que ocorre é que esse animal pega a energia que o vegetal ainda não tinha utilizado e usa em seus processos. Assim, quando o ser humano se alimenta dele, a energia repassada é menor do que se o humano tivesse se alimentado diretamente da planta.

Outro problema ambiental causado pela criação de animais para o consumo é o intenso uso de água. São utilizados entre 10 e 20 mil litros de água para produzir um quilo de carne bovina, o que seria o suficiente para alimentar apenas duas pessoas em um churrasco de final de semana.

 

  • Saúde e estética

Muito se fala em emagrecimento quando alguém se torna vegetariano. Algumas pessoas chegam a adotar o estilo de vida com o intuito de emagrecer. “A verdade é que pessoas que seguem esse estilo de vida costumam estar mais preocupadas com a saúde e assim seguem uma alimentação que costuma ser mais balanceada. Por isso elas perdem massa corporal”, diz Marieli Nimtz Del Grande, médica geriatra, vegana e pós-graduanda em Nutrologia.

Outra coisa que ocorre é que as pessoas, ao aderirem ao veganismo, ficam com medo de consumir determinados produtos e acabam tendo uma dieta muito mais restrita do que o necessário. Por exemplo, o pão francês. Muita gente deixa de comê-lo por acreditar que em sua composição tem ovos,mostrando que  ainda há muita falta de informação quanto ao assunto.

Além disso, o consumo de gorduras diminui quando não se ingere mais produtos de origem animal. É necessário o consumo de um grande volume de leguminosas para que se obtenha a mesma quantidade de gordura que um bife possui. Assim o índice de colesterol também costuma diminuir.

Como a ingestão de fibras tende a aumentar, o corpo absorve menos o açúcar e assim não se tem picos de glicemia no sangue. Só que o açúcar é permitido na dieta vegetariana, então se o indivíduo consome muito o produto ele ainda corre o risco de ter diabetes, mesmo tendo o metabolismo melhor.

O consumo de carne tem a tendência de aumentar a pressão arterial, pois os vasos sanguíneos são enrijecidos. Mas o consumo exagerado de sal é o principal causador do aumento da pressão, por isso o ideal é se ter uma dieta balanceada.

Junto com o tabaco, a carne vermelha é, segundo a Organização Mundial da Saúde, uma das prováveis causas do câncer. Carnes de churrasco, por exemplo, têm um alto potencial cancerígeno. A fumaça gerada pela gordura que cai no carvão gruda na carne,e ela não só é cancerígena quando ingerida, mas também quando é inalada ou a pele fica exposta gera perigosos a longo prazo.

As vitaminas e minerais são muito mais presentes em vegetais do que nas carnes, ou seja, um vegetariano que segue uma dieta equilibrada não vai ter carência de vitaminas assim como um onívoro que o faz. “A única coisa que ocorre é que precisamos da vitamina B12 a qual só é encontrada em animais, então precisamos repô-la”, diz a médica. O nosso corpo possui um estoque dessa vitamina que varia de pessoa para pessoa, podendo durar anos, por isso não é necessário começar a reposição assim que se parar de ingerir a carne. O ideal é procurar um médico para que ele avalie quando a suplementação começará a ser necessária e qual a melhor forma para fazê-lo.

O ferro heme (encontrado na carne) é mais facilmente absorvido pelo corpo humano. Por esse motivo quando alguém para de comer carne é necessário passar a consumir mais alimentos que contenham ferro, além de poder adotar soluções como pingar limão nas leguminosas para aumentar essa absorção do organismo. Isso não significa que o vegetariano vai ter problemas de anemia, só significa que ele precisa ter um pouco mais de atenção nesse quesito.

Vale ressaltar ainda que tudo depende do equilíbrio. A batata frita é vegetariana e é uma dos alimentos  mais danosos que existem. Então é ideal que se tenha uma alimentação balanceada. Além disso, as pessoas ainda são muito mal informadas e associam várias coisas ao vegetarianismo, como alimentos zero açúcar, quando na verdade o açúcar tem origem vegetal e não é proibido.

 

Mas em quê o vegetarianismo ajuda?

Primeiramente, o meio ambiente agradeceria. Um estudo realizado pelo Instituto Totum e pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São Paulo em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, estima que cada árvore da Mata Atlântica absorve 163,14 kg de gás carbônico (CO2) equivalente ao longo de seus primeiros 20 anos.

Ou seja, se o espaço dedicado para a criação de gado fosse, por exemplo, reservas florestais, o ar seria purificado. Não só pelo fato de os bovinos serem emissores de gases poluentes(e com isso eles passariam a emitir cada vez menos gases), como também pelo fato de as árvores retirarem o carbono da atmosfera.

Além disso, o consumo de água diminuiria pois para a produção de carne muito desse recurso é utilizado.

O vegetarianismo traz benefícios para a saúde quando feito de maneira adequada, como a manutenção de uma quantidade de oxidante equilibrada, que previne doenças e tem ação antiinflamatória. Além disso, o aumento da ingestão de fibras está ligada a diminuição de neoplasias (forma de proliferação celular não controlada pelo organismo, com tendência para a autonomia e perpetuação), dor de estômago, refluxo. O trato gastrointestinal também passa a funcionar melhor.

Além disso, caso o milho e a soja utilizados na alimentação dos animais fossem destinados ao consumo humano, a fome mundial poderia diminuir muito. Não só a disponibilidade de alimentos seria maior (afinal são consumidos de dois a dez quilos de proteína vegetal para produzir apenas um quilo de proteína de origem animal), mas também o preço desses alimentos, provavelmente, diminuiriam, tornando-os mais acessíveisl.

 

Porque ser vegetariano ainda é tão caro?

Ser vegetariano não é tão caro como as pessoas acreditam. Os produtos realmente caros são aqueles destinados a pessoas que são acostumadas com uma alimentação onívora e se tornam vegetarianas. Esses indivíduos costumam sentir a necessidade de ingerir alimentos que se assemelham àqueles de origem animal. Porém não há necessidade de consumi-los, em termos nutricionais eles não costumam fazer diferença.

“Os produtos vegetarianos processados, ou que imitam os de origem animal, por exemplo, leite vegetal, costumam ser mais caros porque obedecem uma lei de mercado. Quando se tem um pequeno número de empresas que fornecem determinado tipo de produtos elas tendem a valorizá-los demais”, explica Greif.

Essas empresas precisam produzir em uma quantidade menor e agregar valor ao seu produto, pois o número de vegetarianos comparado ao número de onívoros ainda é pequeno. “Mas à medida em que o volume de vegetarianos vai aumentando, ou mais empresas vão sendo criadas para gerar concorrência, o valor dos produtos tende a cair”, acredita o biólogo.

Pessoas que não ingerem nada de origem animal desde que nasceram ou há muito tempo não têm essa necessidade e conseguem manter uma dieta baseada apenas em vegetais, sem esses produtos.

“Esses alimentos também costumam ser feitos com soja não transgênica, o que costuma encarecer esses produtos”, afirma Marieli.

O vegetarianismo não é o deus que muita gente pinta, nem tampouco o vilão que acabará com sua saúde. Como tudo na vida, tem seus dois lados e cabe a cada indivíduo colocar na balança e ver o que considera melhor. O ideal para aqueles que querem adotar uma dieta vegetariana é procurar um nutricionista para saber a melhor forma de adequá-la à sua rotina. Já para aqueles que não conseguem viver sem carne o recomendado é que procurem se informar de onde aquele alimento vem, e se aquela empresa respeita os direitos animais e humanos.

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