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Zoológicos: contribuição para a ciência ou crueldade?

Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br) Os zoológicos não são uma invenção recente da humanidade. Desde o Egito Antigo, o fascínio pelos animais fez com que o homem trouxesse-os para perto, colocando-os em gaiolas, jaulas e outros tipos de recintos. O primeiro zoológico brasileiro data de 1888 e foi construído no Rio de Janeiro, o centro …

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Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)

Imagem: Reprodução

Os zoológicos não são uma invenção recente da humanidade. Desde o Egito Antigo, o fascínio pelos animais fez com que o homem trouxesse-os para perto, colocando-os em gaiolas, jaulas e outros tipos de recintos. O primeiro zoológico brasileiro data de 1888 e foi construído no Rio de Janeiro, o centro político e cultural da época.

Ingresso do primeiro Jardim Zoológico do Brasil. Foto: Arquivo

Desde então, muitas mudanças ocorreram nessas instituições. A mais significativa delas talvez seja o modo como os animais são levados até lá. Em tempos não tão remotos assim, eles eram capturados especificamente para serem expostos, revelando uma extrema crueldade. Atualmente, os animais levados são aqueles vítimas de maus tratos e tráfico, principalmente. Susana Claros, da ONG Ampara Animal, diz que, para ela, “um ponto negativo é manter esses animais em exposição, sendo que já sofreram tanto”. A constante presença de pessoas e olhares é uma fonte de incômodo e prejudica o bem-estar animal, na visão da veterinária.

Leão sendo retirado de Gaza após bombardeio do zoológico. Foto: AP Photo/Khalil Hamra

Há também a possibilidade do intercâmbio entre instituições. A Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB) explica que a permuta é realizada de acordo com recomendações técnicas. Os objetivos variam de reprodução, estabilidade do grupo social, formação de um novo grupo até a necessidade do animal conviver em um novo ambiente, atendendo suas exigências espécie-específicas. “Todas essas transações não envolvem valores e são autorizadas pelos órgãos ambientais competentes”, explica Cláudio Hermes, presidente da AZAB.

Outro ponto de mudança foi a regulação e fiscalização dos zoológicos, que são feitas pelas Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. As inspeções são realizadas anualmente, na maioria das vezes. “A cada dois anos as Licenças de Operação são renovadas, sempre existindo uma vistoria neste momento.”

Um órgão de grande importância é o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Ele é responsável pela Instrução Normativa 07/2015, que define as medidas de segurança específicas para cada espécie. Em casos de perigo ao visitante ou ao animal, há protocolos de emergências e contingências, com diretrizes que devem ser frequentemente treinadas por toda a equipe do zoológico, sendo inclusive um requisito para a Licença de Operação. Além disso, o IBAMA é responsável por todo tipo de animal em cativeiro. A bióloga pesquisadora titular no Museu Paraense Emílio Goeldi, Marlúcia Bonifácio, explica que, para fins de pesquisa, é preciso pedir várias autorizações, sendo a principal delas proveniente do instituto.

Apreensão de barbatanas de tubarão. Foto: Nelson Feitosa

Os zoológicos são formados por uma equipe multidisciplinar, composta de biólogos, veterinários e zootecnistas. Marlúcia ressalta que é muito importante a participação do biólogo por seu conhecimento sobre a vida do animal na natureza, podendo assim garantir a melhor adaptação do animal no recinto.

No quesito adaptação, até mesmo a forma como os animais recebem o alimento é essencial. Mesmo sendo fornecida externamente, é preciso a maior aproximação possível do modo como o animal se alimenta em condições naturais. Isso está relacionado à criação de estímulos, que tange principalmente às condições do recinto. Como explica Marlúcia, “cada animal tem uma área mínima de vida que precisa ser calculada para que ele seja mantido de forma saudável”.

Mas para que servem os zoológicos?

Os zoológicos se baseiam em quatro princípios fundamentais para sua existência. A conservação da biodiversidade é, talvez, a principal justificativa. Dados da Associação Mundial de Zoológicos e Aquários (WAZA) apontam que cerca de mil espécies ameaçadas de extinção são protegidas através da atuação dessas instituições. Segundo Cristiano, “o manejo ex situ, ou seja, fora do ambiente natural, é imprescindível para assegurar a sobrevivência de muitas espécies, pois permite garantir uma população viável do ponto de vista genético e demográfico”.

A pesquisa científica é um dos outros princípios. Em parceria com centros de estudos, os zoológicos permitem que os animais sejam estudados com maior proximidade. Para a bióloga Marlúcia, “é uma tendência mundial que as áreas que têm animais em cativeiro sejam fontes de informação e pesquisa, contribuindo para a conservação desses animais na natureza”.

Os zoológicos, como espaços de socialização, também são responsáveis por promover atividades socioambientais e culturais, que visam a integração da sociedade. No entanto, esse fato também pode ser alvo de críticas. Susana afirma que o espaço para as pessoas é mais valorizado do que aquele destinado aos animais. “Tem mais espaço para as pessoas passearem do que para os animais viverem.”

Crianças em visita guiada a zoológico, durante a campanha “Circo Legal não tem Animal”. Foto: Prefeitura de Montes Claros

Por fim, o mais polêmico objetivo dos zoológicos é a educação ambiental. Segundo a AZAB, “dentro das instituições, os visitantes têm a oportunidade de se reconectar com a vida selvagem, através de atividades desenvolvidas com objetivos de sensibilizar e motivar uma mudança de atitudes em prol do ambiente natural”. Através de campanhas de defesa da biodiversidade, os zoológicos tentam promover a conscientização. Contudo, não é um consenso de que a educação promovida é, de fato, efetiva.

Para a veterinária da AMPARA Animal, a grande quantidade de pessoas que visitam os zoológicos somada à ausência de monitoração atrapalha a efetividade dessa conscientização. O barulho feito pelas pessoas e a noção de zoológico como um espaço de lazer é maléfica: “Zoológico não é lazer. Ele tem que ser usado para educação ambiental. Os animais precisam de silêncio”. Uma solução proposta é a formação de grupos de pessoas, monitorados pela equipe multidisciplinar da instituição. Aproximando-se de uma “visita guiada”, mas, ao invés de ser opcional, seria a única forma de conseguir observar os animais em exposição. “Considero isto fundamental: remanejar grupos para visitar e realmente educar a população.”

Um dos empecilhos de medidas como essa é o orçamento, que nem sempre é generoso. Para o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Cristiano Schetini, “os zoológicos brasileiros têm que ser vistos pelas autoridades com mais carinho para que possam de fato fazer o que querem fazer, que é manter um alto nível de bem-estar animal, visando a educação ambiental, a conservação e manutenção de espécies”.

O caso dos recintos é sintomático, nesse sentido. “Você tenta simular as condições naturais e oferecer ao animal os estímulos que mantenham seu comportamento”, relata Cristiano. No entanto, muitos zoológicos não possuem recintos naturalísticos, que são aqueles que passaram por um processo de enriquecimento ambiental. Para Susana, isso representa uma grande falha, pois impede que os animais se sintam realmente próximos de seus habitats.

Esse orçamento reduzido afeta diretamente na educação ambiental almejada. Segundo a bióloga Marlúcia, “para realizar o objetivo educacional, você precisa ter estrutura, para que o visitante crie empatia e não horror pelos animais”. Ela ainda lamenta: “Infelizmente, no Brasil, nem todos os zoológicos contam com todo o apoio necessário para funcionar bem”.

A caça e o tráfico afetam diretamente a dinâmica dos zoológicos, já que são os animais ameaçados que acabam sendo levados a essas instituições. A falta de fiscalização faz com que haja uma superpopulação, dificultando a manutenção e também o controle de doenças. Na opinião de Susana, “a única coisa que nos resta é depender de ONGs e grupos de protetores que são contra a caça, para poder fazer essa fiscalização”. A atuação falha do Estado, especialmente em áreas tão vastas quanto a Floresta Amazônica, acaba fazendo com o que o terceiro setor se torne imprescindível na proteção animal. “A culpa é do próprio governo de não conseguir combater o tráfico e esses animais acabam caindo em zoológicos. É preciso muita verba para manter esses animais e depois soltá-los na natureza.”

De fato, a reintrodução de animais na natureza não é um processo simples. A noção de que se trata apenas de abrir uma gaiola é extremamente equivocada. O cativeiro muda o comportamento do animal, invariavelmente. “Ele vai inibir certos comportamentos e desenvolver outros para poder viver bem. E esse é um dos fatores que depois impede que esse animal volte para a natureza”, explica Marlúcia. Por esse motivo, os manejos pré-soltura requerem tempo e dinheiro. O professor Cristiano explica que são feitos diversos tipos de treinamento ‒ de alimentação, locomoção e reconhecimento de predadores ‒ para que o animal possa se comportar de forma adequada.

O processo de soltura é sempre a prioridade, principalmente se o animal estiver em boas condições, explicita Marlúcia. No entanto, em alguns casos, quando não há o reconhecimento da área de origem ou o animal é encontrado muito distante de seu habitat, ele é mantido no zoológico. “É melhor que seja mantido em cativeiro, bem tratado. Porque, na natureza, invariavelmente, ele vai morrer.”

É inegável que a vida em cativeiro não é ideal. Ela, inevitavelmente, produz estresse no animal, fazendo com que ele modifique certos comportamentos para melhor se adaptar. Contudo, as condições para os animais na natureza nem sempre são as melhores. Fatores como desmatamento, poluição de matas e rios, queimadas, caça ilegal e tráfico impulsionam a degradação do ambiente natural e põem em risco a vida selvagem. Em uma situação ideal, flora e fauna seriam preservadas, garantindo a manutenção da magnífica biodiversidade brasileira ‒ e mundial.

Mas, então, o que sobra de alternativa?

Uma iniciativa um tanto quanto recente são os santuários. Geralmente, são localizados em espaços naturais, onde as intervenções humanas são mínimas. Eles são uma estratégia de ajudar na preservação, ainda no ambiente silvestre, visto que a prioridade é sempre a sobrevivência das espécies em seu habitat, como explica Marlúcia.

Santuário de felinos LionsRock, na África do Sul. Foto: Divulgação

A preservação ex situ ‒ fora do ambiente natural ‒ é a última opção e pode ser, em alguns casos, temporária. Por exemplo, no caso de áreas que estão inseridas em um grande programa de restauração, como a Mata Atlântica. A fauna permanece em zoológicos, para que depois possa ser reintroduzida, em uma situação ambiental mais favorável.

Um caso de sucesso nesse sentido foi o dos micos-leões-dourados, que conseguiram sair do estado de ameaça crítica graças aos plantéis ‒ “estoque” ‒ dos zoológicos, como relata o professor Cristiano. “Foram esses bichos que foram soltos na natureza que hoje compõem a população que existe na natureza”. Ele ainda cita que o mesmo processo está sendo realizado com as araras azuis.

Outra iniciativa são os Cetas (Centros de Triagem de Animais Silvestres), geridos pelo Ibama. São lugares de atendimento rápido, que verificam as condições de saúde do animal para que ele possa ser reintroduzido em seu habitat. “Quanto menos tempo o animal ficar em cativeiro, maior é a chance de sobrevida dele quando retorna para a natureza”, explica Marlúcia. Infelizmente, os Cetas não estão presente em todas as regiões do país, apesar da evidente necessidade.

Arara sendo cuidada no Centro de Fauna do Tocantins, após uma apreensão. Foto: Tiago Scapini

Mas e a reprodução em cativeiro?

Segundo a AZAB, “a reprodução é incentivada em casos específicos, como a necessidade de aumento populacional de espécies ameaçadas”. Os filhotes têm destinos diferentes, podendo permanecer nos zoológicos ou serem transferidos, através do intercâmbio. Esse manejo acontece para garantir a variabilidade genética das espécies, visto que com “poucos indivíduos reproduzindo entre si durante muito tempo, acaba tendo muitos problemas de consanguinidade”, explica o professor da UFOP.

Mas, afinal, os zoológicos são bons ou ruins?

Responder essa pergunta envolve muitas incógnitas. É preciso entender que essas instituições têm tanto seus benefícios quanto malefícios. Os zoológicos devem ser, acima de tudo, respeitosos e zelar pelo bem-estar animal. Por vezes, as notícias de maus tratos e abusos são as que mais recebem atenção na mídia, contribuindo para uma visão negativa. Como pudemos observar, os zoológicos não são de todo ruins.

Na opinião da veterinária da ONG Ampara Animal, a existência de profissionais extremamente capacitados nessas instituições e a proteção aos animais em extinção são dois pontos positivos. Para a pesquisadora do museu Emílio Goeldi, a possibilidade criar empatia pela proximidade com os animais é um grande benefício dos zoológicos.

A AZAB reforça que uma das premissas básicas dos zoológicos e aquários é “incentivar atitudes que contribuam com a conservação da biodiversidade, desestimulando atitudes, como caça, tráfico ilegal, poluição, atropelamentos e destruição de habitats”. A fim de exemplificar, o professor da UFOP cita três instituições notáveis que prezam o bem-estar animal: os zoológicos de Brasília, de Belo Horizonte e de São Paulo.

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