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Para Além da Lingerie

Existe um grande e profundo vínculo entre moda e erotismo, seja ele ligado ao clássico ou ao bizarro. Para estas duas vertentes, existe um público comprador e uma complexa ideologia que o mantém. Como todo produto social e comercial, a moda se adapta e produz tendências, restaurando técnicas e estilos e os atualizando para vender …

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Existe um grande e profundo vínculo entre moda e erotismo, seja ele ligado ao clássico ou ao bizarro. Para estas duas vertentes, existe um público comprador e uma complexa ideologia que o mantém. Como todo produto social e comercial, a moda se adapta e produz tendências, restaurando técnicas e estilos e os atualizando para vender novamente.

A moda erótica, como é de se esperar, está intimamente relacionada à liberdade sexual de cada geração e em cada local. Desta forma, foi a partir dos anos 60 que ela se popularizou e conquistou seu lugar nas revistas e prateleiras. Ícones da cultura pop, punk e rock, além de filmes e personagens consagrados, foram essenciais para que isto acontecesse. Porém, à medida em que os tempos e influências mudam, muda também a estética e aceitação da moda com teor erótico e sexual.

O movimento feminista dos anos 80, por exemplo, passou a questioná-la ao levar em conta a hiperssexualização e objetificação da mulher. Entretanto, existem aqueles que dizem que a afirmação da sexualidade, e, portanto, a moda erótica, são empoderadores e devem ter seu espaço. Entre as diversas opiniões e barreiras impostas pelo moralismo, tal vertente da moda acaba por ser menosprezada ou invisibilizada, principalmente quando foge do clássico e padrão.

Nos dias atuais, pode-se perceber o retorno de tendências relacionadas à moda erótica e ao fetichismo sadomasoquista. Tais tendências, não necessariamente carregadas das ideologias que as criaram, são adaptadas para o uso cotidiano e disseminadas por celebridades e ícones da moda. Assim, para se falar em moda erótica, é necessário que se fale sobre suas várias formas de ser e se expressar, incluindo desde as lingeries até as fantasias e peças fetichistas.

Lingerie clássica

Dentre as vertentes da moda erótica, a mais aceita é a composta pelas peças tradicionais. Isso acontece por vários motivos, entre eles, e talvez o mais importante, o fato de que grandes marcas produzem e promovem tais peças. Além disso, com o crescimento do que a antropóloga Maria Filomena Gregori define como “erotismo politicamente correto”, referindo-se a um fenômeno que propõe o exercício da livre sexualidade, é de se esperar que a sensualidade ganhe cada vez mais espaço e aceitação. Assim, por serem as peças sensuais mais comuns e cotidianas, as primeiras que melhoraram sua aceitação social são as lingeries clássicas.

Para se falar do clássico em lingerie, deve-se tomar um pouco de cuidado. Como a moda em geral, a moda erótica muito mudou ao longo dos anos, o que faz com o que o clássico não necessariamente se refira ao antigo, e sim a uma estética mais limpa e relativamente atemporal. Nos dias atuais, a lingerie clássica é, geralmente, formada por renda, sendo as cores mais comuns: branco, nude, vermelho e preto. Porém, existem também aquelas que fogem à essa paleta, ousando com rosa, amarelo, verde, azul, entre outras cores.

Mesmo de sensualidade mais clássica, este tipo de lingerie também trás o fetiche, até porque ele é inerente à temática. Entretanto, trazem-no de forma mais leve, propondo a utilização de alguns acessórios e enfeites em um tom que não necessariamente remete à ideologia e história que cada aparato carrega.

Um exemplo pode ser visto nas botas de salto fino e no scarpin. Este, cujo brilho remete ao vinil e cuja história se relaciona ao sadomasoquismo, foi apropriado tanto pela moda social e elegante quanto pela indústria de lingeries mais clássicas e até luxuosas. Veja, a seguir, alguns exemplos de lingeries clássicas que trazem elementos fetichistas:

Lembrando um corset, esta peça, mesmo mais voltada ao clássico, trás algumas características da moda fetichista. (Reprodução)
A meia ¾ e as tiras texturizadas como couro são elementos típicos do fetichismo. (Reprodução)

Um exemplo de loja de lingeries clássicas pode ser visto na Loungerie. Esta, uma grande franquia que vende peças próprias e de outras marcas, conta também com uma seção de roupas fetichistas. Pode-se ver a relação e comunicabilidade entre as tendências da moda de teor sexual ou erótico. Outra loja de lingeries clássicas é a Fruit de La Passion, uma loja que esbanja luxo e sensualidade. Esta se volta a um público mais abastado financeiramente, ostentando preços com três ou mais dígitos em todas as peças.

Nesse nicho, existem também produções menores e mais artesanais. É o caso da Lust Lingeries, criada por Isabela Warde em 2017. A loja é online e tem como tema Lingeries “upsetting sexist traditions” contrariando tradições sexistas , já mostrando a preocupação da empresa com a comercialização de um produto que busque empoderar e não objetificar.

Em entrevista ao Sala33, Isabela afirma que busca ir contra a tradição sexista que afirma que a mulher se veste para o homem. Ela diz: A lingerie é para a mulher. Se ela quiser usar com o homem, ok, mas nunca foi pra ele. É pra ela se sentir bem e ponto”.

Isabela também afirma que se vestir é uma forma de se empoderar, ressaltando que as lingeries podem ser um instrumento facilitador para que a mulher reconheça a beleza em si mesma. A estudante de moda e criadora da marca define seus produtos como clássicos e versáteis, já que podem ser usados em várias situações: íntimas ou casuais.

Outra tendência que chama a atenção no que se diz respeito principalmente às lingeries clássicas é a recente tendência de usá-las à mostra. Desta forma, a lingerie sai, cada vez mais, do íntimo e do sexo, passando a compor e ser aceita na vida social.

Isabela Warde fala um pouco sobre o fato, dizendo que muitas de suas clientes compram seus produtos justamente para usá-los desta forma. Ela completa: “Pessoalmente, acho maravilhoso usar lingerie à mostra. Eu acho que fica super sensual, fora que dá para dar uma bela diferenciada no seu look”.

Moda fetichista

O BDSM como conhecido atualmente surgiu no século XX, e a moda é parte importante do estilo de vida proposto. A proposta desta reportagem é falar da produção de moda fetichista voltada para as pessoas que praticam ou não BDSM. Isso porque discorrer sobre a moda fetichista dentro da prática sadomasoquista incorreria em outros conhecimentos e aprofundamentos, o que não cabe à intenção deste texto. Dessa forma, trataremos aqui de moda com teor erótico fetichista.

Um bom exemplo pode ser visto no proposto pela estilista Malu Monteiro. Malu não define sua marca como erótica, e sim “uma marca de moda com influência da subcultura erótica”. A iniciativa começou em 2008 com a intenção de produzir lingeries. Para Malu, naquela época, a marca ainda guardava certo romantismo. Porém, com o tempo, ela foi se delineando e transformando, sendo que hoje ela produz lingeries, vestuário e acessórios em couro.

Um fato interessante sobre a produção da estilista, e que dialoga, inclusive, com o item anterior, se relaciona à versatilidade da produção. Malu diz: “Se você olhar aquele lado da arara, você fala ‘nossa, é uma marca fetichista’, mas se você olhar este, é uma marca completamente clássica. Então faço blazers para compor com acessórios, faço peças de vinil para usar com camisetão… Sempre tenho um contraponto, porque não quero que a marca seja uma marca somente fetichista. A minha proposta é trazer, de forma chique e conceitual, o fetiche dentro do que é clássico”.

A moda erótica fetichista se desenvolve a partir de um jogo de revela e esconde, expondo o corpo de forma pensada e conceitual. As cores escuras, em especial o preto, predominam e os tecidos típicos são couro, vinil, látex e renda. Além disso, é constante a presença de argolas, algemas e espinhos, geralmente em cor prateada, remetendo ao metal. Por contarem com tecidos que são usados rentes ao corpo, muitas das peças tem que ser feitas sob medida.

Nas lingeries, as temáticas de dominação e submissão estão implícitas, mesmo que nem sempre bem desenvolvidas, em função da apropriação comercial do tema. Na moda em geral, é comum que tendências estilísticas repletas de ideologia, pertencentes a grupos específicos, sejam capitalizadas e vendidas como mercadorias isentas de sentido maior. A moda inspirada no bdsm não foge desta realidade. Neste segmento, o mostrado e o escondido são usados para compor e apimentar o look. A moda erótica fetichista, como a prática fetichista em si, requerem uma interpretação de papéis daqueles que a usam, sempre baseada no consenso.

Por fim, saindo da moda especificamente erótica e tratando um pouco de moda fetichista em geral, são muitos os acessórios e peças derivados desse modo de vida que se adaptaram ao cotidiano e perderam, no senso comum, um pouco de seu contexto e história. Entre eles, além do scarpin e botas altas de salto fino já citadas, temos a meia arrastão, o tule e os espartilhos. Além desses, existem também os figurinos, não tão comuns e usuais, usados por famosos e famosas em apresentações. Madonna, Beyoncé, Christina Aguilera, Miley Cyrus e muitas outras cantoras já usaram roupas de inspiração direta no fetichismo e no erotismo que deriva dele. Veja:

Na roupa de Miley Cyrus, a inspiração no fetiche está clara na cor preta, detalhes em metal e textura de couro. (Reprodução)
Legenda: No icônico figurino usado por Beyoncé, o elemento que mais remete ao fetichismo é o sapato: os ballet heels. (Reprodução)
Na roupa de Kim Kardashian, a inspiração no fetichismo se dá no tecido utilizado. As roupas com textura vinil, feitas sob medida, são típicas da moda sadomasoquista. (Reprodução)

Fantasias

Como na moda fetichista, as fantasias trazem consigo a necessidade da interpretação de papéis. Porém, diferentemente do último item, esses papéis não são necessariamente pautados por relações de dominação ou submissão. As fantasias são as mais variadas e imprevisíveis, como os fetiches humanos. Contudo, existem aquelas consagradas e mais procuradas, até por serem mais aceitas socialmente, como as de: coelhinha, bombeira, enfermeira, colegial, entre outras.

Note que as fantasias citadas acima são todas para as mulheres, mas  esta realidade tem mudado. Os sex shops mais modernos e recentes têm também passado a vender fantasias masculinas, seja para o público homo seja para o público heterossexual.

Em entrevista, Nilva Silva, representante do sex shop Garota Veneno, disse que é comum que mulheres comprem fantasias para seus parceiros. Ela afirmou, também, que 60% do que a loja vende são fantasias, sendo os outros 40%, lingeries.

O sex shop, que conta com loja virtual e física em uma cidade do interior de Minas Gerais, tem como público alvo pessoas de 20 a 40 anos, da classe média à alta. Nilva afirma que, por ser uma cidade pequena, existe ainda certo receio das pessoas de serem vistas dentro de uma loja erótica, mas que isso tem diminuído ao longo dos anos. Para ela, vestir-se é uma forma de cada pessoa se empoderar, mostrando sua força na sociedade. A entrevistada afirma que cada pessoa tem seu erotismo: mais liberal ou conservador.

Por fim, vale lembrar que a moda erótica, como o próprio erotismo, são individuais e se relacionam com cada ser de forma única. Dessa forma, todo fetiche e prática deve ser respeitado, desde que seja pautado pelo consenso de todos os envolvidos.  

Por Laura Scofield
lauradscofield@yahoo.com.br

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