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A Alquimia de Adhemar Ferreira da Silva

A Alquimia é uma prática – muitos remontam à era Medieval – que antecedeu a química. Basicamente os alquimistas buscavam encontrar a Pedra Filosofal, que, além de ter o poder de transformar tudo em ouro, também concedia a imortalidade. Essa última, porém, é contestada por alguns pesquisadores, que afirmam que, na verdade, a vida eterna …

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A Alquimia é uma prática muitos remontam à era Medieval que antecedeu a química. Basicamente os alquimistas buscavam encontrar a Pedra Filosofal, que, além de ter o poder de transformar tudo em ouro, também concedia a imortalidade. Essa última, porém, é contestada por alguns pesquisadores, que afirmam que, na verdade, a vida eterna representava uma busca por transgressão espiritual. Dessa forma, é possível dizer que a alquimia misturava diversos conhecimentos (como chamam hoje), por exemplo, arte, astrologia, misticismo, química, física etc.

Muito tempo depois da Alquimia ser fortemente criticada e superada, apesar de suas diversas conquistas para a ciência, nasceu em 29 de Setembro de 1927, um paulistano da Casa Verde que, de um modo totalmente diferente, se encaixaria nessas características: Adhemar Ferreira da Silva, um alquimista.

Existe uma velha expressão que traduz o fato de existirem pessoas que têm sucesso em inúmeras esferas da vida: “Tudo o que fulano toca, vira ouro”. Nesse caso, Adhemar se encaixa perfeitamente no Fulano, dando talvez uma  interpretação curiosa dessa expressão, por ser extremamente literal.

Adhemar (Imagem: Acervo/Gazeta Press)

O jovem negro, filho de pais pobres e extremamente humildes, sempre foi aconselhado a seguir nos estudos. Sobre sua infância, Diego Menasse, comediante, neto de Adhemar e roteirista do filme “Salto de Adhemar”, conta: “Ele nasceu na Casa Verde, que era um bairro operário, muito humilde, e os pais de Adhemar trabalhavam muito, seu pai na Ferrovia e sua mãe como lavadeira para as pessoas de bairros como Higienópolis e Jardins”.

Certa vez, no entanto, passeando com um colega pela esquina mais famosa da cidade (Ipiranga com a São João) foram cumprimentados por um homem que andava na rua. Seu parceiro lhe contou que o homem era um atleta. Bastou isso para mudar de vez a história do atletismo e do esporte brasileiro.

A palavra que hoje designa o praticante de esportes, antes era utilizada para definir “aquele que combatia nos jogos solenes da Grécia e Roma antigas; lutador”. O jovem se encantou pela palavra, pela beleza de seu pronúncia e decidiu que iria ser, portanto, atleta.

Ele não sabia na época, mas a palavra não podia lhe definir melhor, uma vez que lutadores, ele e sua família sempre foram. Decidiu então começar os treinos no São Paulo Futebol Clube. Lá, conheceu o técnico alemão Dietrich Gerner que logo viu o talento fora do comum, do agora, atleta.

A evolução dele era impressionante. Sua prova era o salto-triplo, que exige, além de muita preparação e técnica, muito ritmo. Nas provas de alto nível, por exemplo, os participantes costumam pedir um compasso para o público, através das palmas, para auxiliar nos saltos. E isso não faltava à ele. Seu pai foi um dos fundadores da escola de samba Nenê de Vila Matilde e ele era grudado no violão. Dessa forma, Adhemar dominava totalmente a prova, qualificando-se para disputar as Olimpíadas de Londres, em 1948.

Transmutando talento e esforço em ouro

A transmutação para o “Ouro” não veio da Pedra Filosofal, como afirmavam os alquimistas. Um talento acima da média e uma incrível capacidade de evolução se uniram a muitos treinos, como a fórmula da glória. A primeira Olimpíada do futuro campeão teve importante papel em sua carreira. Ela criou o encantamento dele por essa competição. O jovem atleta admirava deslumbrado o estádio lotado. Sua participação esportivamente foi fraca, mas ele saiu de Londres, com a certeza de que faria de tudo para voltar quatro anos depois e disputar com reais chances a medalha.

Em 1952, então, Adhemar começou sua caminhada como Alquimista, em Helsinque, na Finlândia. Com o violão na mão e sempre cantarolando, surpreendeu os locais, por já falar finlandês, língua que havia aprendido um pouco antes da competição. Aliás, é de se notar, a grande facilidade que tinha para aprender novos idiomas, foram sete ao todo.

Naquela competição, diferentemente de Londres, mostrou a que veio. Foram em seis tentativas, incríveis quatro recordes mundiais e olímpicos. Ele quebrou o próprio recorde havia conseguido o feito, um ano antes, no Brasil  quatro vezes em um único torneio. A torcida, claro, foi ao delírio. E Adhemar, a pedido de um dos árbitros, foi, agradecê-la. Ele pegou a bandeira do Brasil e deu uma volta inteira no estádio, acenando para o público. Ali, de forma tão ingênua e espontânea, surgia a volta olímpica, gesto que veio a se tornar tradição entre os medalhistas.

O paulistano repetiu o feito em Melbourne, 1956, e foi bicampeão olímpico, batendo novamente o recorde da competição. Em 1960, em Roma, já não conseguiu ter o mesmo desempenho das duas edições passadas. De certo modo, já afetado pela tuberculose, foi eliminado. Ao sair da pista, porém, foi aplaudido de pé. Uma cena que o campeão jamais esqueceria.

O salto-triplista também marcou época nos Pan-Americanos. Disputando as três primeiras edições da competição e conquistando o ouro em todas elas, Adhemar também obteve o recorde mundial na Cidade do México, em 1955. A façanha, aliás, guarda uma história interessante. O brasileiro foi provocado antes da competição pelo venezuelano Asnoldo Devonish, que disse que não só iria bater o tupiniquim nas pistas como tirá-lo o recorde mundial. Adhemar, instigado, não só venceu a prova, como fez, incríveis 16,64m, dizimando seu próprio recorde mundial. Depois, Da Silva, como é conhecido no exterior, foi agradecer pelo incentivo a mais que Arnoldo lhe trouxe.

Adhemar tinha realmente uma forte ligação com ouro. Em 1959, foi convidado a fazer uma pequena participação, porém importante, no filme franco-brasileiro-italiano: Orfeu Negro. Com trilha sonora de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, o filme trazia o mito grego de Orfeu para o morro carioca. Amante das artes como era, o campeão acabou aceitando atuar no longa. Interpretando a Morte, o bicampeão olímpico viu o filme ser sucesso de público e crítica, levando tanto o prêmio de Cannes quanto o Oscar de melhor filme estrangeiro, representando a França. Trata-se, até hoje, do único filme em língua portuguesa a conquistar a estatueta (dourada). De acordo com Diego, o fato dele ser atleta foi fundamental para o convite: ‘“O personagem dele exigia preparo físico maior, pois ele corria durante todo o filme”.

Adhemar interpretando a Morte, em “Orfeu Negro”, de 1959 (Imagem: Reprodução)

Fé e imortalidade

Como foi dito no começo, na alquimia existia o conceito de imortalidade, que muitos interpretam como transgressão espiritual. O alquimista Adhemar conseguiu ser imortal, e de diversas maneiras. Primeiramente, seu legado ficará para sempre na memória dos que o viram competir e na imaginação dos que não presenciaram. Seu reconhecimento, contudo, é muito maior internacionalmente.

O neto do medalhista olímpico conta que tanto na Finlândia quanto na Austrália, locais de seus dois títulos olímpicos, as pessoas conhecem mais Adhemar que no seu país de origem. “No Brasil, ele acaba sendo mais lembrado, apenas, em ano olímpico ou de Pan-Americano. Seus feitos como atleta, cidadão e ser humano deveriam ser mais difundidos pela população, como exemplo de que o esporte pode transformar a vida das pessoas, dando oportunidades”, complementa.

Ele se imortalizou, também, no escudo do São Paulo Futebol Clube com duas estrelas douradas. Sobre isso, Diego esclarece um erro comum: “Todo mundo acha que as estrelas foram pelo bicampeonato olímpico, porém, não foi nada disso. Elas, na verdade, representam dois recordes mundiais que ele quebrou sendo atleta do São Paulo”. Mesmo não sendo são-paulino, o neto do campeão, diz que essa é uma linda homenagem, principalmente vindo de um clube cujo carro chefe é o futebol.

Adhemar competindo com a camisa do SPFC (Imagem: São Paulo/ Divulgação)

Quando se entende, porém, essa imortalidade como transgressão espiritual, faz-se uma conexão quase que óbvia com fé, crença e religião. Adhemar, quando se aposentou, atuou em diversas áreas. Uma delas foi incentivando e divulgando a cultura brasileira mundialmente. Por causa disso, morou por alguns anos na Nigéria. Ele era cristão, mas no país africano conheceu e se conectou também, a outra religião. “Por ser negro e ter uma forte ligação com a cultura negra, e por estar lá, ele acabou entendendo realmente como é que funciona o candomblé”, conta seu neto.

Por último, sua imortalidade transforma vidas. Hoje, sua família possui um projeto social com seu nome, o Instituto Salto Para a Vida Adhemar Ferreira da Silva. No começo, os projetos visavam divulgar o atletismo para os jovens, levando exposições, implementos e banners para colégios públicos e CEUs. Porém, o chamado “Atletismo, A Força do Esporte” está se expandindo.

Diego é casado com Rosemar Coelho, que é medalhista olímpica e originária de Miracatu, no Vale do Ribeira, região com menor IDH do estado de São Paulo. Ao levar, no entanto, o projeto para a cidade, algo mudou. “Percebemos que não era justo, incentivarmos a prática de Atletismo, e depois, simplesmente, deixarmos a cidade”, explica Diego. Assim, a partir de uma série de parcerias com a Caixa, a Prefeitura e o Sesi de Santos, foi possível criar uma escolinha de atletismo na cidade, a qual já conta com 42 alunos, com o nome “Atletismo Impulsionando Vidas”.

Dessa vez, não será necessário a alquimia. A missão, conta ele, é outra. Claro que a transmutação desses talentos no ouro das medalhas é bem-vinda, mas, no projeto social, basta que a imortalidade do campeão transmute a vida desses jovens para melhor.

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