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Jovens adultos, crises existenciais e o cinema

“Escolha uma vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira – escolha uma família! Escolha uma TV grande! Escolha uma máquina de lavar, carros, discman, abridor de latas eletrônico. Escolha uma boa saúde, baixo colesterol, plano de saúde dentária. Escolha parcelas fixas para pagar. Escolha uma casa – escolha seus amigos! Escolha roupas, acessórios. Escolha um …

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“Escolha uma vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira – escolha uma família! Escolha uma TV grande! Escolha uma máquina de lavar, carros, discman, abridor de latas eletrônico. Escolha uma boa saúde, baixo colesterol, plano de saúde dentária. Escolha parcelas fixas para pagar. Escolha uma casa – escolha seus amigos! Escolha roupas, acessórios. Escolha um terno feito do melhor tecido. […] Escolha o seu futuro. Escolha a vida. Por que eu iria querer algo assim?”

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O monólogo que abre o longa Trainspotting (1996) traz uma visão sobre o que se espera de um jovem adulto, em um período da vida em que as escolhas ainda são confusas. Passa-se de criança, que não tem escolha sobre quase nenhum aspecto de sua própria vida, a adulto –  no que parece ser um piscar de olhos – e subitamente é esperado que as decisões mais importantes em relação ao futuro sejam tomadas, que as responsabilidades sejam assumidas. O que cursar na universidade? O que fazer depois dela? Como sair da casa dos pais e se sustentar sozinho? Como conseguir um emprego que pague por todas as contas, que surgem quase que magicamente? Por que todos os amigos já estão se casando e tendo filhos, enquanto você ainda precisa começar tudo do zero?

Tais conflitos internos, recorrentes em vários jovens adultos de vinte (ou trinta) e tantos anos, sempre foram bastante explorados pelo cinema. Muitos filmes, através de seu enredo e personagens, levam à tão apreciada sensação de reconhecimento, ao passar uma mensagem de “veja só, não é só você que não faz a mínima ideia do que fazer”, e mostrar que, em alguns momentos da vida, as pessoas passam por crises existenciais, mas que isso não significa que essas situações não possam render, ao menos, boas histórias.

 

Frances Ha (2012)

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Frances (Greta Gerwig) é uma típica criança crescida. Graduada em dança moderna, ela mora com sua melhor amiga, a responsável Sophie, que faz as vezes de sua mãe, e, aos 27 anos, trabalha como assistente de professora em uma companhia de balé, emprego esse que não parece muito estável ou definitivo. A protagonista, que corre pela cidade de Nova York ao som de David Bowie em suas roupas mal ajustadas, frequenta festas e jantares com outros jovens artísticos e hipsters do Brooklyn. Mesmo não tendo um cartão de crédito ou dinheiro o suficiente para pagar o aluguel no final do mês, decide ir para Paris em um final de semana em que tudo parece estar à beira de um colapso. Em um momento de reflexão, justifica-se: “eu estou tão envergonhada, eu nem sou uma pessoa ainda” .

A protagonista representa a dificuldade em aprender a ser adulto, os planos frustrados, as escolhas não muito acertadas, o desespero de perceber que as coisas não estão acontecendo da maneira como haviam sido planejadas. Ela faz piadas sobre si mesma para disfarçar o profundo vazio e falta de perspectivas, nunca revela para os pais e amigos a real extensão de seus problemas financeiros e emocionais, e encontra-se frequentemente em momentos em que tem de decidir se continua investindo na dança e em sua visão como artista ou se aceita um emprego que possibilite que ela alugue um apartamento na cidade.

O longa, filmado em preto e branco, o que proporciona um tom ainda mais melancólico e nostálgico, foi dirigido por Noah Baumbach, nome por trás de diversos outros filmes que abordam questões de crises existenciais, como O Solteirão (Greenberg, 2010) e Enquanto Somos Jovens (While We Are Young, 2014 ). O roteiro, no entanto, é de Gerwig, que traz para o filme características típicas do “mumblecore” – movimento do cinema independente em que são utilizados roteiros improvisados que prezam por diálogos cotidianos, pouca preocupação com técnica e tentativas de se diferenciar das fórmulas tradicionais dos sucessos mainstream de Hollywood.

Características técnicas à parte, ao assistir a Frances Ha, o que predomina é o sentimento de que a vida adulta é isso: uma série de eventos caóticos, que fogem de nosso controle, e que toda a pressão da sociedade para que tenhamos tudo resolvido e que sejamos bem sucedidos precocemente nos levam muitas vezes a mascarar nossos conflitos internos, mas que crescer, ainda que seja doloroso, é necessário. Sobretudo, ressoa uma frase específica de Frances: “às vezes é bom fazer o que você precisa fazer, no momento em que você precisa fazer” .

 

Mobília Mínima (Tiny Furniture, 2010)

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Antes de lançar Girls (2012 – ), a polêmica série quase autobiográfica da HBO sobre os dilemas e humilhações de jovens descolados da cidade de Nova York, Lena Dunham, provando que realmente produz baseando-se em suas próprias experiências, escreveu e dirigiu Mobília Mínima, que pode ser descrito basicamente como a versão para o cinema de seu seriado. Logo no pôster de divulgação do longa já é possível ter um insight sobre seu tom, com a frase “Aura (que é a protagonista, interpretada obviamente por Dunham) gostaria que você soubesse que ela está passando por uma fase muito, muito difícil” em letras garrafais, acompanhada de uma imagem de Lena deitada no chão, com uma expressão facial de quem perdeu o controle da própria vida.

O roteiro é relativamente simples e conta com vários momentos cômicos, porém causa identificação imediata em vários jovens (ou nem tão jovens assim) que enfrentam ou já enfrentaram situações semelhantes: Aura acabou de se graduar em  teoria de cinema, falhou em ser uma estrela do YouTube e, então, volta para a casa de sua mãe bem-sucedida e irmã adolescente prodígio com apenas um hamster moribundo e muitas dúvidas. Ela encontra um emprego como recepcionista de um restaurante do bairro, envolve-se com todas as pessoas erradas, reata algumas amizades do passado e faz novos amigos igualmente problemáticos em sua busca pela resposta às perguntas que todos se fazem em algum momento: quem eu sou e, principalmente, o que eu devo fazer daqui em diante?

 

Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida (2013)

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Clarice Falcão (sim, a cantora das músicas engraçadinhas e irônicas da nova MPB) interpreta Clara, uma jovem vinda de uma família de médicos que decide cursar medicina na faculdade, escolha cômoda e impensada. No entanto, logo nas primeiras aulas, ela percebe que aquilo não é o que quer fazer e, ao invés de falar com seus pais sobre deixar o curso, começa a passar as manhãs em um boliche vazio, onde conhece Gui, que também não sabe ao certo o que quer fazer da vida. Juntos, os dois iniciam um tipo de experimento para que Clara decida que curso fazer: para saber se quer cursar Direito, por exemplo, tem que saber mentir; para Jornalismo, tomar café da manhã em vários hotéis do Rio de Janeiro; Arquitetura, construir uma casa na árvore. Em meio a essa busca, repleta de questionamentos que a crítica classificou como “exemplos de existencialismo cool”, a garota conversa com várias pessoas de sua família – o tio depressivo, o avô solitário, os pais em um relacionamento forçado – e percebe que, na verdade, nem os “adultos bem-sucedidos” têm alguma ideia do que estão fazendo com suas vidas.

 

Oslo, 31 de agosto (Oslo, 31. August, 2011)

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Mudamos para a cidade. Sentíamo-nos adultos. Lembro-me das horas em ônibus, trens e metrôs. Dos trajetos intermináveis para festas muito loucas. Lembro-me do sabor de ser livre quando cheguei em Oslo”.

Este talvez seja o filme menos otimista e esperançoso da lista. O protagonista, Anders, tem 34 anos e está prestes a receber alta de uma clínica de reabilitação, na qual foi internado por causa de seu vício em drogas. No dia 31 de agosto sai para uma entrevista de emprego, parte obrigatória para o fim do tratamento. Ele, no entanto, não está totalmente curado, e percebe não apenas isso, mas também que todas as suas relações interpessoais estão abaladas em definitivo, e sente que desperdiçou todo seu potencial de maneira irreparável. Em suas palavras, “tenho 34 anos e não tenho nada”. Enquanto Anders vaga pela cidade de Oslo, sente um misto de melancolia e nostalgia, compara sua vida à de todos ao seu redor, que parecem tão bem resolvidos, reflete sobre sua infância e se autossabota constantemente. O homem, sobretudo, sente-se insuficiente e se vê sem saída, a não ser recorrer aos antigos vícios, em uma tentativa de ressignificar sua existência.

 

A Coffee in Berlin (Oh Boy, 2012)

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O filme, que é considerado por alguns uma versão alemã de Frances Ha – seja por uma afinidade do tema ou pelo fato de ambos serem filmados em preto e branco – acompanha um dia na vida de Niko (Tom Schilling), que parece estar em um constante estado de sonambulismo, assistindo sua vida se desenrolar em sua frente. Por vezes, parece que sua única motivação na vida é conseguir tomar uma xícara de café, no que falha durante todo o filme, por diversos motivos. Ele desistiu da faculdade de direito há dois anos, mas continuou usando o dinheiro da família que era destinado aos estudos, até o dia em que seu pai descobriu e cortou seu cartão de crédito.

Sua história, dificuldade em participar da vida e interagir com aqueles que estão a sua volta, indecisão a respeito de todos os aspectos de sua vida e incapacidade de lidar com as consequências de suas ações tornam Niko vítima de si mesmo e, ao mesmo tempo, reflexo de uma Berlim melancólica, que mistura as desventuras do passado e incertezas do futuro. Ao final do longa, que é embalado por uma trilha sonora composta por jazz contrastante com a temática existencialista, o protagonista finalmente consegue tomar sua xícara de café, e percebe que, ainda que se sinta isolado por seus próprios problemas na maior parte do tempo, o mundo é muito maior do que seus conflitos internos.

por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com

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