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Ida: O trauma do passado e o olhar para o futuro

por Luis Franco luligot17@gmail.com   Filmes que abordam a questão da Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente, do Holocausto, são muito bem vistos pela Academia e pelo Oscar. Ida (Ida, 2013) não é exceção. Vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro de 2015, o drama polonês apresenta-se sob um fundo que retrata a Polônia da Guerra …

Ida: O trauma do passado e o olhar para o futuro Leia mais »

por Luis Franco
luligot17@gmail.com

 

Filmes que abordam a questão da Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente, do Holocausto, são muito bem vistos pela Academia e pelo Oscar. Ida (Ida, 2013) não é exceção. Vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro de 2015, o drama polonês apresenta-se sob um fundo que retrata a Polônia da Guerra Fria, ainda atormentada pela destruição causada pelo nazismo. A maneira como aborda essa temática, porém, é o ponto revolucionário trazido pelo diretor Pawel Pawlikowski.

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Prestes a fazer seus votos e ingressar definitivamente em um convento de freiras, Anna (Agata Trzebuchowska), órfã desde pequena, recebe uma proposta da Madre Superior de visitar sua única parente viva, sua tia Wanda (Agata Kulesza), integrante do Partido Comunista e uma mulher com um estilo de vida completamente oposto ao da sobrinha. Amiga do álcool, de cigarros e de homens, Wanda introduz a noviça ao mundo real, repleto de defeitos e pecados, e lhe conta um segredo espantoso: o nome real de Anna é Ida e seus pais eram judeus, mortos durante o regime nazista. As duas começam, então, uma viagem pela Polônia, em busca do túmulo dos pais de Ida.

Durante a viagem, as personalidades das duas mulheres rapidamente se chocam. Ida é extremamente comportada, seguidora das regras do convento e dificilmente aceita o modo de viver da tia, sempre aberta à devassidão e a pecados. Já Wanda vê a escolha da sobrinha de entrar para um convento como um desperdício de vida e acredita que os “sacrifícios” que os votos exigem nada significam se a garota não tiver vivido para saber do que está abrindo mão. Tal visão de mundo é extremamente influenciada pela vivência de Wanda durante a Segunda Guerra Mundial e seu conhecimento sobre o que aconteceu com o restante de sua família.
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Tendo sido a primeira produção polonesa a receber a estatueta de ouro, Ida logo ganhou repercussão internacional e revelou ao mundo a arte do cinema na região. Muitas foram as críticas, porém, em relação à temática do filme, em especial vindas dos próprios habitantes do país, que criticaram o fato de a Polônia só ser vista no cenário cinematográfico quando se trata do Holocausto, como é também o caso de O Pianista (The Pianista, 2002), drama dirigido pelo polonês Roman Polanski e que recebeu, em 2003, o Oscar de Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado.

Mas apesar de apresentar a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto como temas de fundo, Ida mostra uma nova abordagem sobre esse tema, não se direcionando às vítimas durante a dominação nazista, mas nos mostrando os sobreviventes e aqueles que, embora não tenham vivido o período, sofreram com o que foi feito, e tentando oferecer a ambos uma chance de recomeçar, de reconstruir uma nova Polônia, deixando para trás o sofrimento do passado. A busca de Ida e sua tia pelo túmulo de seus pais não representa apenas uma tentativa de descobrir o que aconteceu, mas também uma tentativa de se redimir com o passado de alguma forma, para que ambas possam seguir em frente rumo ao futuro.
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Marcado por uma fotografia impressionante, o filme apresenta longos momentos de silêncio quase introspectivo, em que os personagens expressam seus pensamentos sem dizer uma só palavra. A surpresa e a confusão de Ida em meio ao mundo que ela não conhecia mostra-se em sua timidez e reclusão, enquanto a melancolia visível nos olhos de Wanda contrasta com seus hábitos, sendo algo que ela prefere manter escondido do mundo, mas que desabrocha à medida que as duas se aproximam de seu objetivo e o passado da tia é lentamente revelado.
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É inegável a marca que o nazismo deixou durante a dominação da Polônia, assim como o é em todo o mundo. Uma catástrofe como essa não pode nunca ser esquecida, principalmente para que evitemos seu renascimento. O cinema nos proporcionou um meio perfeito para manter essa memória viva, e Hollywood tem usado e abusado desse meio para divulgar sua mensagem. Ida não pertence ao cinema americano, mas a mensagem que traz em si é tão importante quanto filmes como A Lista de Schindler (Schindler’s List, 1993) e O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjamas, 2008), justamente porque mostra a sobrevivência do tema nos anos pós-guerra e a maneira como afetou e continua a afetar aqueles que sobreviveram e seus descendentes. O que se mostra para nós são consequências que perduraram por anos.

Filmes costumam nos sentimentalizar pelas vítimas, mas não apresentam a atualidade do tema e o tratam como algo passado. Ida vai além, reflete sobre a continuidade do Holocausto nas mentes das pessoas, reforça a ideia de que não foi um simples acontecimento passado. Ele não apenas relembra, mas traz o Holocausto até nós ao introduzir uma personagem que nunca presenciou tais acontecimentos, mas que mesmo assim tem sua vida alterada pelo ocorrido a seus pais.

A Polônia pode ser lembrada apenas quando se trata do Holocausto, mas produções como a de Pawlikowski certamente trazem muito mais do que se vê em Hollywood. Traz uma reflexão sobre o tema, sobre como é importante debatê-lo, sobre como ele ainda vive e deve continuar vivo, para que tal tragédia não torne a se repetir, se é que já não está se repetindo. Com tantos discursos de ódio se propagando pelo mundo, Ida deveria ser um filme obrigatório de ser assistido, para que possamos sempre nos lembrar o que aconteceu quando discursos desse tipo tomaram as pessoas de uma nação.

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